domingo, 20 de dezembro de 2015

belladonna

Enquanto sufoco na incessante busca por meu lugar no mundo e nos efeitos do ibuprofeno, parentes cumprem suas obrigações morais me presenteando com uma colônia com fragrância de cereja ou uma camisola com estampa de corações e poodles. Mal sabem o quanto detesto perfume e como cachorros, especialmente os poodles, muitas vezes me irritam. Meu coração pertence aos gatos. Tenho dormido com uma velha camiseta em que fiz um desenho do Bowie. Acreditam que, em seu lugar, a mulher tem cheiro de fruta e veste a ambiguidade, anda na corda bamba entre a menina dos cachorros e a mulher na camisola sensual, a mulher grande em uma pequena camisola tamanho M, esperando, é claro, um homem. Mal sabem que deixei esse lugar e que já não espero ninguém.
Ontem esperava Lydia. Esperava sentada sufocando na busca e nos efeitos, e também na tarefa de entender e explicar o significado de pulsão. Pulsão, que não é um estímulo que provém do exterior, mas de dentro do organismo, parece até aquela maldição que eu sinto. Não sei se foram os efeitos do ibuprofeno ou do período menstrual, ou se foi Lydia no palco sendo o que não sou (she owns the place!) que me fizeram desistir de pisar nesse lugar outra vez. Lydia, que parecia imune a todas as violências das relações amorosas, a todas as frases feitas e feias (como a velha "estou me separando") ou a todos os comentários que nos diminuem ("até ela conhece essa banda!") gritava, proferia o seu mundo em nós e arrancava dos homens de sua banda os sons mais arrebatadores que criavam uma atmosfera de transe. Sessão descarrego, recarga de energias, algo intenso que eu mal sabia que sentiria.
Não sei quantas vezes desisti de escrever isso. O remédio se foi, Lydia me salvou. A música sempre me salva. Hoje, curiosamente, um ano desde a morte da nossa gata, a homeopatia e a fitoterapia me salvam do perfume e da camisola, desse lugar de cadela que leva chutes e então deita e rola, esperando o próximo chute e a chegada das visitas, quando devem prendê-la, guardá-la para que não seja vista. Não sei se é a maldição mensal ou aquela maldição de ser "a outra" que começam a me mover desse meu lugar que ainda nem encontrei.

segunda-feira, 14 de dezembro de 2015