quarta-feira, 4 de junho de 2014

Na delicadeza do caos

quase uma resenha do show do Yo la tengo de 03.06.2014 no Cine Joia

Não escondo a minha dificuldade em classificar e categorizar qualquer coisa, até mesmo e principalmente as que me fazem sorrir. "Como é esta banda?", "Que som fazem?", "Com quem se parecem?" são perguntas que soam quase como ameaça para mim; talvez isso tenha explicação, talvez seja decorrente da época em que certo alguém por quem eu estava encantada me deixava (ou que eu deixava que me deixasse) do tamanho de uma ervilha quando falava sobre música, para ele eu era a referência de ignorância, se eu conhecia uma banda, então qualquer outra pessoa deveria conhecer, "Até ela conhece! Como você não conhece?", apontando para mim, ele dizia à pessoa que não sabia do que ele estava falando. Talvez isso não devesse me atingir de tal forma, afinal, saber tudo de música era (e é) o trabalho dele, e o meu negócio sempre foi outro, talvez era a nossa relação que me deixava do tamanho de uma ervilha, não a minha ignorância musical. Tal ignorância permanece até hoje, já tentei aprender a tocar instrumentos, li tantas resenhas de álbuns, convivi e convivo com tanta gente que explica o que escutamos... e nada. Eu não compreendo música, eu sinto, e de alguma forma isso me basta e preenche com muita alegria grande parte da minha existência. Algumas bandas do meu coração até se organizam no meu cérebro de forma harmoniosa, sei os nomes das pessoas e o que elas tocam na banda, sei os nomes das minhas músicas preferidas e sei localizar essas - e outras! - músicas em seus respectivos álbuns, esse não é o caso do Yo la tengo, banda que de alguma forma me arrebata e que ao mesmo tempo me dá um nó no cérebro. Mas esse papo de "pobre de mim, eu não sei falar bonito sobre música" deve cansar qualquer leitor(a), então indo direto ao assunto, que pode ser colocado em menos palavras do que a introdução que fiz ao mesmo, Yo la tengo é uma banda linda, "Yo la tengo é lindo" foi a frase que enviei para algumas pessoas hoje de manhã. Ontem fui ao show  (há um belo trecho do show aqui: https://www.youtube.com/watch?v=Ujbc4wDLeuY dessa banda norte-americana que existe desde algum momento da década de 1980 mas que eu conheço há apenas dez anos e nesses dez anos foi uma lenta apreensão do som feito pelo trio. Foi devagar que a música de Ira Kaplan, Georgia Hubley e James McNew me conquistou, mas o mais interessante é que nessa lenta aproximação nunca deixei o Yo la tengo de lado, algo me fazia ficar com as canções à mão, por perto, até que quando eu soube da vinda do trio para o Brasil, não tive dúvida que eu iria ao show e que, sem saber o motivo, seria incrível. Eu já ouvira repetidas vezes a fofíssima "Sugarcube" e "From a motel 6", e tinha como preferida "We're an American band", era tudo que eu podia dizer do Yo la tengo quando decidi que veria a banda ao vivo, depois descobri a incrível "Tom Courteney", entre outras músicas que ainda não se organizam e mal são identificadas na minha vida, mas que já fazem nela uma tremenda diferença. Deixando de lado a minha habilidade (ou falta de) em guardar nomes de músicas e identificá-las, ontem foi lindo, como já disse. Não compreendo como ali havia gente conversando enquanto eu tentava me entregar a sentir o caos  e a delicadeza daquela apresentação. Eram movimentos suaves capazes de provocar os ruídos mais altos e intensos, barulho suficiente para preencher uma sala com pensamentos confusos. Peso e leveza se enfrentavam e se abraçavam. Palavras bonitas eram sussurradas sob um barulho que parecia indicar que algo desabava em algum lugar exterior ao sussurro, ou lá dentro de quem sussurrava. Houve momentos em que fechei os olhos, momentos em que dancei, momentos em que balancei a cabeça, momentos em que não percebi o tempo passar (milagre!), momentos em que desejei que as pessoas calassem a boca e compreendessem que silêncio também faz parte da música. Hipnotizante, arrebatador, gracioso. Entre ruídos e distorções mais uma vez encontrei o meu calmante. Só sei explicar música desse jeito. 

2 comentários:

  1. A vida inteira só entendi a música como parte das coisas, do mesmo jeito que não acho possível explicar o gosto de uma fruta nova ou de uma sobremesa diferente, não acho provável descrever uma canção e o interlocutor (ah, os interlocutores!) entender o que senti. Gosto de ouvir junto, saber da descrição da sensação do outro ao ouvir coisas que el@ gosta e eu não, mas é nisso que nos bastamos - porque não dá pra acessar as coisas como esperam os medíocres.

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  2. “mas hoje é elegante ‘falar de pintura’, no jargão do músico ou do literato, ou ‘falar de literatura’, no jargão do pintor, como se no fundo só existisse uma única arte [...] Quem poderia distinguir o verde-maçã de sua ácida alegria? E já não será excessivo dizer "a alegria ácida do verde-maçã"? Há o verde, há o vermelho, e basta; são coisas, existem por si mesmas. É verdade que se pode conferir-lhes, por convenção, o valor dos signos. Fala-se por exemplo, em linguagem das flores. Mas depois de estabelecido um acordo, se as rosas brancas para mim significam 'fidelidade', é que deixei de vê-las como rosas: meu olhar as atravessa para mirar, além delas, essa virtude abstrata; eu as esqueço, não dou atenção ao seu desabrochar aveludado, ao seu doce perfume estagnado; não chego sequer a percebê-las. Isso significa que não me comportei como artista. Para o artista, a cor, o aroma, o tinido da colher no pires são coisas em grau máximo; ele se detém na qualidade do som ou da forma, retorna a elas mil vezes, maravilhado; é essa cor-objeto que irá transportar para a tela, e a única modificação por que a fará passar é transformá-la em objeto imaginário." (SARTRE, J.P. O que é a literatura? p. 9-10)

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