sábado, 24 de agosto de 2013

diversidade sexual, prostituição e revista feminina - quinta, sexta e domingo

Estudo identidade e condição feminina em O Segundo Sexo de Simone de Beauvoir com o objetivo de levar a minha pesquisa às questões da reciprocidade na mesma obra... mas isso é outro caso. Faço esta pesquisa porque enquanto pessoa me preocupo e questiono o feminino e, consequentemente, as questões de gênero também. Assim, os múltiplos temas desse universo me atraem, e por isso procuro estar presente em eventos onde haja essa discussão, não só pelo lado acadêmico, mas por interesse pessoal. Enfim, não sei se é por que aqui é São Paulo (ondetudoaconteceaomesmotempoagora!), ou se cada vez mais ganha-se espaço para falar dessas coisas, mas havia eventos para eu ir na mesma semana na quinta-sexta-sábado-domingo, é, assim mesmo.
Apesar da minha fama de quem não faz nada e de quem não mora tão longe, no meio de tantos eventos bacanas havia um bocado de coisa pra eu fazer, e a SPTrans continuou ignorando a proximidade do meu bairro aos locais onde acontecem as coisas interessantes, então não me sinto alguém que esteve 100% mergulhada em tudo para escrever um relato completo sobre cada evento, além disso, nem tenho vontade de "fazer a crítica", nem de julgar, os trabalhos e as pessoas que encontrei naquela semana. Meu intuito aqui é tentar escrever sobre as mil ideias, os mil questionamentos e a troca que houve em cada espaço.

Uma quinta-feira do mês de Agosto de 2013

Abertura da exposição interiores : diversidades no Sesc Pinheiros

Era sobre "um mundo ainda marcado pela ditadura do rosa e do azul; do masculino e do feminino" que falava a legenda da primeira foto que vi quando entrei no espaço da exposição ... "sexo biológico", o verbo "desconstruir", "gênero", "identidade", "diversidade"... estas palavras e muitas outras nas falas das pessoas fotografadas... mas isso é Judith Butler, eu pensava, e via que está também na fala de gays, lésbicas, transexuais, travestis, heterossexuais cisgêneros que apoiam a diversidade sexual e de gênero e que questionam a heteronormatividade... Todas, todos e todxs estavam na proposta de Fábio Takahashi e nas fotografias de Walter Antunes! Também na abertura foi exibido o documentário "Amanda e Monick", dirigido por André da Costa Pinto, sobre duas travestis no sertão de Pernambuco, seguido de um debate com Fábio e Walter. O meu primeiro contato com as fotos, rápido e parcial, me fez pensar em desconstrução: a famosa e ideal desconstrução do gênero, a desconstrução do rótulo, a desconstrução do exótico, a desconstrução dos espaços onde se espera que as pessoas das fotos estivessem, a desconstrução do mito... não eram trans, bi, homo, cis, hétero etc cada qual em sua jaula, mas eram pessoas na cozinha, no quintal, no barzinho, lendo, cozinhando, conversando, rindo... vivendo e sobrevivendo. Oh, finalmente, somos todxs pessoas criando significados para cada ação em cada momento, improvisando na vida, e não essências pré-determinadas. Oi, desconstrução! Antes que eu terminasse de ver as fotos, convidaram-nos ao auditório para o documentário e o debate, e foi aí que no meio da desconstrução eu dei de cara com partes que foram bem edificadas a ainda serem desconstruídas, bem, isto na minha opinião... assim, sentindo-me arrogante por me desesperar em minha cabeça dura pensando "mas não é assim, vamos desmontar essa construção cultural", escutei as pessoas do filme e escutei o debate.
    Toda e qualquer intenção ali me pareceu válida, e incrível, mas permanece a vontade de compartilhar as minhas impressões dali, sem julgar e sem achar que quem tem a verdade sou eu, afinal eu não trabalhei no projeto, nem experienciei o que o projeto retrata. Deixo então as minhas inquietações em forma de perguntas: Pensar em desconstruir o gênero, para libertar as pessoas dessa identidade construída, especialmente o gênero feminino e especificamente de um ponto de vista feminista, implica em considerar os aspectos opressores da feminilidade, como a exaltação do corpo extremamente feminino ou de um ideal de beleza a ser perseguido, ou como quisermos chamar... porém nas mulheres trans em geral, ou pelo menos no documentário, essa exaltação aparece como algo positivo e marcante na identidade delas... como a aparência dita feminina, ou as marcas da feminilidade no corpo, passam de carga negativa de muitas mulheres cis a característica revigorante e que causa orgulho na construção da identidade das trans? E será que a prostituição como trabalho bastante frequente das mulheres trans e travestis teria alguma relação com essa exaltação do corpo feminino a ser desejado? E por que as roupas, os cabelos e toda a aparência física de quem abandona um gênero (masculino ou feminino) precisaria necessariamente rumar a outro (masculino ou feminino), ao invés de reinventar-se? Por que associar o seu desejo por homens, ou por mulheres, ou por homens e mulheres, às características ditas femininas ou ditas masculinas? Por que brincar de boneca necessariamente indicaria a homossexualidade do ser humano que nasceu com um pênis e é identificado como "homem", se a suposta "tendência" do ser humano identificado como "mulher" a brincar de boneca não passa de uma construção social e não se trata de algo natural? Por que insistir em acreditar em um deus que não aceita a sua identidade e não questionar o que é, ou se até mesmo existiria, tal deus? Por que um juiz nega a uma trans a adoção de uma criança alegando que o que ela queria era uma boneca para brincar em uma sociedade em que se tenta construir a vontade de ser mãe em todas as mulheres cis dando-lhes bonecas para brincar durante a primeira socialização? E por que uma criança não poderia ser bem criada por um casal composto por dois homens mas estaria bem criada em uma instituição que não lhe ensina o que é gelo, nem que anoitece?
Não cabe a mim condenar, nem encontrar erros nos discursos ou modos de viver de outras pessoas neste texto, mas somente trazer questões que impulsionam a minha vida e a minha pesquisa para tentar propor alguma reflexão. Algumas delas foram compartilhadas, longe do público do debate, no meu retorno à exposição, quando fomos (o amigo fotógrafo Pedro e eu) muito bem recebidxs por Walter, sim, o fotógrafo da exposição, e Luama Socio, que esteve bastante presente no projeto. Walter e Luama foram bastante pacientes nos contando sobre o projeto e sobre cada foto, e ouvindo as minhas indagações e pitacos sobre o assunto. Que a reflexão, os questionamentos e a desconstrução estejam apenas começando.


Uma sexta-feira do mês de Agosto de 2013    

1ª parte da oficina sobre mulheres e prostituição com Margareth Rago na União de Mulheres

Margareth Rago sabe fazer algo que às vezes eu espero que um dia eu consiga fazer e que ao mesmo tempo penso que não sei o quanto acho que se deva fazer... ela trata de assuntos pesados com leveza. Ela é sorridente, ela é irônica e ao mesmo tempo divertida. Não posso negar que faço parte do grupo que corre preencher rapidamente as vagas de suas oficinas.
Mas qual é a da prostituição? Se pensar na desconstrução de gênero na noite anterior me chacoalhou as ideias, pensar a prostituição me deu um nó, como sempre dá! Para contribuir, ou não contribuir, a minha leitura do capítulo sobre prostitutas e cortesãs de O Segundo Sexo não é das mais fluidas, ou seja, o nó fica mais apertado. Mas a Margareth é leve... conta sobre as categorias absurdas que médicos (sim, médicos) já criaram para prostitutas, para mantê-las marginalizadas, como quem conta uma piada. O riso é por se tratar de algo absurdo e já superado, ou o riso é de nervoso por algo tão absurdo ainda deixar resquícios do que não foi superado? E o que foi superado? Gabriela Leite é o tema destacado na oficina: de estudante da USP a prostituta por opção e por revolta contra o tédio na década de '70, e mais tarde candidata a deputada carregando consigo sua militância na questão da prostituição, segundo conta Margareth. Em algum momento a prostituição é opção? Ou, por que existe a prostituição? Amor livre acaba com a prostituição? Enquanto o amor livre não chega, o que fazer com a prostituição, especificamente com as más condições nas quais as prostitutas se encontram? O que se vende na prostituição? O que se vende em outros trabalhos e/ou profissões? Como escolher ser prostituta para quebrar com os padrões de sexualidade feminina e participar do jogo de padrões da política em um simples ensaio fotográfico?
Essas são as perguntas que me guiam[?] nos labirintos da reflexão pós oficina. Não, não tenho as respostas, mas continuam pensando nelas. O que trará a segunda parte da oficina?

Um final de semana do mês de Agosto de 2013

Casa Tpm 2013 no Nacional Club

O que é a revista Tpm? O que quer a revista Tpm? O que quer a revista Tpm em um salão chique em um final de semana com uma feminista radical e com uma profissional da Moda que já apresentou um daqueles programas que lhe contam sobre aquelas coisinhas, aqueles mimos, que você super-tem-que-ter? No cansaço da semana e na falta de empolgação pela desconfiança em relação ao evento, só passei por lá no domingo. Digo que a experiência foi mais interessante do que boa, e que é bom saber o que uma revista dita feminina quer quando propõe um encontro para falar de "mulher". Oi, revista Tpm, falar de mulher não é fácil não, hein? Simone de Beauvoir, e antes dela Virginia Woolf, por exemplo, tinha uma questão: "O que é uma mulher?" Quanto tempo teríamos para responder? Uma vida toda talvez, porém a Casa Tpm fez propostas do tipo "uma ideia em cinco minutos"! Cinco minutos? Cinco minutos pra falar de casamento, "vai!" ... e durava um pouco mais, ok, mas era vago.
Não sei se é por ser o último texto desta série que venho propor, ou se é por se tratar do evento mais descontraído e talvez o mais descompromissado dos três, e também por eu não querer citar nomes de palestrantes, mas este relato segue ainda mais simples.
Ficam as observações e as questões então:
O local era chique e o evento já se colocava como hype, antes de se divulgar a programação já era um evento disputado. As pessoas queriam estar lá por estar lá, e muitas pessoas queriam isto. Era um lugar diferente, tinha uma sala para pintar as unhas, tinha bem-casados de graça (sim, bem-casados bem docinhos e bem gostosos mas que me inquietam enquanto símbolo do evento!), tinha aspecto de programa de tv e tinha patrocinadores aproveitando para vender os seus produtos. Oi? O que eu fui fazer lá? Eu fui até lá para saber o que pode acontecer na festa em que os mimos da feminilidade convidam os feminismos! E o que acontece? Meia dúzia, eu inclusa, aplaudem a feminista radical que tenta acrescentar algo não tão óbvio, que tenta despertar a consciência das mulheres enquanto vítimas de tanta opressão, e ganha a maioria dos aplausos a mulher super-moderna-emancipada que joga a culpa no público que a aplaude. Sim, das três da tarde às sete da noite, mais ou menos, com muitas dores de a.t.m. por causa do ar condicionado forte do local chique e doida por um relaxante muscular, ouvi diversas vezes que a culpa era nossa... nossa culpa por haver machismo, nossa culpa por não termos espaços nos coletivos liderados por homens, nossa culpa por comprar roupas demais, nossa culpa pelos meninos tornarem-se homens machistas, nossa culpa por existirem blogs com o "look do dia", nossa culpa, nossa culpa, nossa culpa! E culpa da famosa "falta de educação", porém não lembraram que muitas vezes é a educação que também reforça o machismo.
Mas para além de ter a oportunidade de pintar as unhas para aliviar a culpa, o feminismo ganhou voz e alguns aplausos na frente das leitoras de Tpm, uma garota viajou horas para o evento por causa da revista e descobriu-se interessada em feminismo, um palestrante comparou o filme A Branca de Neve com o filme Uma linda mulher trazendo a espera do príncipe encantado como problema grave, descobrimos que estamos mal representadas nos filmes, e alguém disse com todas as letras (e não sei se escrevo aqui exatamente da forma como foi dito) que não bater e não estuprar, além de denunciar os outros homens que fazem isto, seria parte da contribuição dos homens com as mulheres... Houve choque e tensão... o feminismo encontrou o discurso da mulher supostamente livre, bem sucedida e resolvida que só-é-vítima-do-machismo-por-culpa-dela. Algo positivo pode ter saído deste encontro, talvez, espero que sim. E algo ficou evidente pra mim: há falha na comunicação. Então eu pergunto: como feministas, nós, feministas (me incluo me considerando feminista e me considerando parte do problema) podemos flexibilizar os recados a serem transmitidos? Como não perder a paciência e como explicar as nossas reflexões a quem se assusta com as mesmas e pelo susto resiste a elas?

E como dar força aos recados? Como dar força ao desfecho deste texto fragmentado cheio de questões e reflexões irritantes, torcendo para que nada seja mal entendido? Aviso que aqui é o fim? Recado dado?

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