sábado, 24 de agosto de 2013

refletir na sala de ginástica sobre o corpo

"Quando mediu sua fraqueza, boa parte da confiança que tinha em si mesma esvaiu-se. Foi o início de uma evolução que a levou a se feminilizar, a realizar-se como passividade, a aceitar a dependência. Não ter mais confiança no corpo é perder confiança em si próprio. Basta ver a importância que os rapazes dão a seus músculos, para compreender que todo indivíduo julga o corpo como sua expressão objetiva.", escreve Simone de Beauvoir em O Segundo Sexo. Li este livro pela primeira vez em 2004 quando eu trabalhava como recepcionista em uma academia de ginástica. Na passagem da adolescência para a juventude, eu me tornava feminista, começava a ler Beauvoir, descobria que tornar-se financeiramente independente e escolher uma carreira não era fácil e me posicionava contra o culto ao corpo e à beleza ideal que... por acaso... ocorria no único local onde eu conseguira trabalho. Li O Segundo Sexo antes de estudar filosofia e antes de ter consciência e coragem (demorou, viu?) de afirmar "sou feminista". Hoje é desse livro que tiro o tema da minha pesquisa de mestrado. Sou mestranda em Beauvoir e frequento uma academia de ginástica, não mais como recepcionista mas como hummm... cliente? Aluna?
Nos últimos anos venho descobrindo (parece que não se descobre de cara, pelo menos no meu caso não foi assim) que tenho disfunção da articulação temporomandibular, também conhecida como "disfunção de a.t.m.", algo que pode ser tratado mas não curado. De minhas idas a especialistas, monitoramento de notícias na internet e conversas com outras pessoas que possuem o mesmo problema pouco concluí e muito descobri... informações como... que há pessoas que ficam surdas depois de algum tempo. Da minha experiência posso contar que as dores aumentam com os anos, dores na mandíbula, nos dentes, na nuca, nos ombros, nos olhos, nos ouvidos, nos braços, além dos zumbidos nos ouvidos e das tonturas. Má postura e ar condicionado me deixam pior, e fisioterapia, acupuntura, RPG, troca de colchão e travesseiro, natação, caminhada, mochila, tratamento ortodôntico, arnica e pomada cataflan trouxeram algum alívio. Relaxante muscular trouxe muito alívio, mas não estou interessada em comprimidos. A placa feita em acrílico para bruxismo trouxe muito, muito alívio. E junto com a placa, a ginástica, ou "academia", como se diz, trouxe muito, muito mais alívio... cerca de trinta dias sem dores fortes e vida quase normal.
 A disfunção da articulação temporomandibular é o primeiro motivo para eu ter colocado os pés na sala de ginástica. Cheguei lá no meio de pessoas animadas em roupas justas e da música energética em volume alto, e pensei, além de já ter informado as instrutoras: "estou aqui pela saúde"!
As dores diminuíram, e outras coisas mudaram. Comecei a refletir sobre o que eu fazia lá, o que eu fazia com o meu corpo lá, o que o meu corpo fazia lá, e descobri algumas coisas... Bem, sempre fui muito sedentária e sempre fugi das aulas de educação física, não tanto pelo esforço físico, mas muito mais pela socialização, e cresci rápido demais devido a uma doença. O que uma pessoa, uma mulher, que viu o seu corpo crescer rapidamente, mais rápido do que a sua capacidade de sustentá-lo e aceitá-lo pode aprender sobre este corpo em uma sala de ginástica? O que uma mulher, criada para tornar-se mulher, na delicadeza, sem luta, sem movimentos bruscos, que não está pensando na aparência pode aprender sobre o próprio corpo em uma sala de ginástica?
Posso dizer que nos últimos meses tenho aprendido que este corpo, que é meu (e é tão difícil deixar isto claro), não é só um objeto visto e legislado, nem só um receptáculo de dor, mas que é um instrumento, é um dos meios que tenho para me colocar no mundo. Na sala de ginástica aprendi a saber como algumas partes do meu corpo funcionam, o que elas podem suportar e o que elas podem mover. Aprendi a equilibrar este corpo ou a me equilibrar neste corpo, a ter confiança nele. E, por incrível que pareça, confiar no meu corpo tem me ajudado a confiar mais em mim mesma. É aí que começo a entender o que Beauvoir escreveu: "Não ter mais confiança no corpo é perder confiança em si próprio." Embora os costumes machistas exaltem a força física masculina e a violência física como prova de virilidade, não podemos descartar a importância de desenvolver a força física, não me refiro a estes propósitos aos quais somos contrárias, mas penso em não descartar a força física como forma de ter algum domínio sobre o mundo, e sobre o próprio corpo, além de adquirir a capacidade de defender-se. Afinal, são os mesmos costumes machistas que exaltam exageradamente a força física masculina e pregam a delicadeza, e o não desenvolvimento da força física feminina. E daí seguem muitos outros obstáculos que conhecemos e dos quais Beauvoir fala em O Segundo Sexo
Meu propósito aqui era contar como curiosamente comecei a gostar de ginástica, dos aparelhos e dos pesos, depois de dar o meu próprio significado à sala de ginástica, e ainda compartilhar uma reflexão que para mim está só começando: o que refletir sobre este corpo?

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