sexta-feira, 28 de março de 2014

A minha melhor amiga dos anos 90

Eu já tive uma melhor amiga, mais de uma vez. Hoje não tenho melhor amiga, nem melhor amigo, tenho uma família composta por alguns amigos e algumas amigas. A minha primeira irmã foi a minha melhor amiga da década de 1990, conquistada por minha mãe, não por mim... "A sua filha pode brincar com a minha?" ... "A sua neta pode brincar com a minha filha?" ... "Quer conhecer a minha filha?" As minhas primeiras amizades foram conquistadas assim e não sei se alguma delas durou até hoje (apenas uma, eu acho), para mim não é possível ter os seus amigos escolhidos por outras pessoas, assim como não é possível ter uma família que você não escolheu. Mas acontece que essa amiga tornou-se a minha melhor amiga, talvez a minha mãe, por acaso, naquele dia fez a escolha certa. 
A minha melhor amiga era três anos mais nova do que eu, era confundida com a minha irmã mais nova que nunca existiu, e eu era confundida com a irmã mais velha dela que também nunca existiu. Eu me sentia muito feliz quando pensavam que éramos irmãs e chegava a ficar triste por não termos nascido irmãs, a considerava irmã mas não valorizava o nosso laço, como se essa vontade de que fôssemos irmãs me acomodasse em uma situação em que sendo sua irmã e sua melhor amiga, teria alguma garantia de que nada nos separaria e de que tudo o que eu fizesse ela perdoaria. Naquela época para mim bastava deixar um recado em uma carta ou em uma página de sua agenda com os dizeres "Você é +QD+. Te adoro!", ou qualquer coisa com "para sempre", que o nosso destino estaria selado, como hoje muitos casais e parentes fazem com o tal do "eu te amo". A gente simplesmente se entendia no geral, obedecia algumas regras parecidas em nossas casas e gostava das mesmas brincadeiras. Essa amizade durou um bocado e era muito importante para mim, acredito que, naquela época, para ela também, durou até a nossa adolescência, primeiro a minha e depois a dela, mas durou com muitos hiatos com os quais eu nunca soube lidar. Eu desconhecia a possibilidade de discordar dela, de dizer "não" ou de bater boca com ela, no meu mundo ideal essas coisas não aconteciam entre melhores amigas, mas ainda assim eu me incomodava com algumas coisas dela, eu sentia ciúmes dela, às vezes queria ficar sozinha, queria dizer pra ela que eu não gostava de algumas coisas que hoje nem lembro quais eram... mas ao invés disso eu escrevia uma carta arrogante ou me comportava de maneira estranha com ela... achava que era por meio de um desses códigos que eu sinalizaria pra ela que algo estava errado entre a gente, e daí surgiam os hiatos. A relação era retomada pelo meu arrependimento seguido de uma mediação, que poderia ser feita pela minha mãe de novo ou por uma vizinha querida que gosta da gente até hoje, que me aproximava dela para eu pedir desculpas e bruscamente virar a página. De todos os motivos para um hiato só me lembro do último mas arrisco dizer que todos eles foram causados por mim. 
Nós crescemos e esse vício maldito de não discutir a relação só cresceu com a gente. Há nove anos, no meu último ano da adolescência ou em um dos meus primeiros anos da "juventude", eu deixei de me identificar com o estilo de vida dela, ou com as opiniões dela, eu deixei de me identificar com algo dela que até hoje não sei nomear. Eu não gostava da maioria dos amigos dela e achava que ela se divertia muito mais com eles do que comigo, eu não queria ir mais para os lugares que ela ia e estava entrando em um mundo diferente. Muita gente sempre me disse que em vários momentos a nossa diferença de idade pesaria em nossa relação, nos maus momentos eu concordava com esse ponto de vista, mas nos nossos bons momentos eu odiava esse tipo de comentário sobre a nossa amizade. Ora, por que eu não poderia continuar a tê-la como irmã mesmo não saindo mais com ela e não tendo as mesmas amizades? Por que eu nunca soube como dizer isso a ela? Para mim parecia mais fácil fingir que estava ocupada com o meu detestável emprego de operadora de telemarketing para pagar a faculdade e com o mundo maravilhoso do meu primeiro ano da graduação e ir me afastando aos poucos, foi assim que eu comecei a machucá-la pela última vez. Me lembro disso nos últimos anos e acredito que até agora consegui dizer a todas as minhas amigas e a todos os meus amigos da minha "família" tudo o que precisei dizer para manter e salvar as nossas relações quando passamos por algum momento complicado. Há nove anos eu consigo me importar, me colocar no lugar do outro, perguntar se há algo errado, pedir desculpas, discutir a relação e discordar. Nada disso me faz a melhor amiga do mundo, mas só mais uma pessoa como muitas outras que se comportam com o mínimo necessário para fazer e manter amizades, porém fazer essa lista é perceber que finalmente eu descobri qual era o nosso, o meu, problema. 
A morte do avô dela - uma pessoa pela qual eu não tinha nenhum afeto - marcou a destruição do que nos restava, eu não fiz nenhum movimento, permaneci onde estava achando que ela odiaria que eu, depois do meu afastamento, me aproximasse naquela hora, achava que eu pareceria falsa e que eu deveria ficar no meu novo lugar, mas parece que ela esperava que eu estivesse lá; depois de algum tempo fui capaz de entender que não se afasta de uma amizade importante para sempre e que na maioria das vezes vale a pena voltar. O que mais me marcou nessa época foi uma conversa pela internet - algo que depois passei a evitar o máximo em conflitos com amigas e amigos importantes - na qual ela disse que não adiantaria depois eu pedir para minha mãe ou os vizinhos irem falar com ela; garanti que não aconteceria, que naquele momento era "nunca mais". 
"Nunca mais", "com certeza" e "para sempre" são algumas das expressões que mais me incomodam hoje, talvez sejam as mais mentirosas e não sei por que as usaria. Nunca passou pela minha cabeça pedir à minha mãe ou à vizinha querida para me ajudar a reatar com ela, pelo contrário, minha mãe gosta muito dela e sempre peço à mãe que quando converse com ela separe as relações, a que elas mantiveram e a que eu tive um dia com ela. Nunca mandei recados, nunca pedi que levasse notícias específicas minhas e temo que essa minha vontade de escrever sobre tudo isso aqui pareça uma indireta para reatar a amizade, quando na verdade só surgiu mesmo uma vontade de escrever sobre isso depois de olhar para trás com muita calma, de repente entender o que aconteceu e refletir sore o que ficou. Vontade de reatar amizade eu tenho há algum tempo, fiz uma tentativa há uns cinco anos, mas ela negou, desconversou, aceitou... o que temos hoje é um cumprimento cordial e uma amizade em uma rede social. Não tenho vontade de que a gente volte a andar para cima e para baixo juntas, de ter a amizade que a gente tinha, há tantas irmãs que torcem uma pela outra e só saem juntas para colocar o papo em dia e tomar uma cerveja ou um café. Descobri isso com algumas amigas muito queridas que conheço há muito tempo, somos de círculos diferentes e não temos gostos em comum, não conseguimos fazer programas culturais juntas mas estamos sempre torcendo uma pela outra, compartilhamos coisas boas que nos acontecem e nos juntamos para comer, beber e conversar de tempos em tempos. É mais ou menos isso que eu gostaria de ter tido a oportunidade de propor a ela, de saber como ela anda, de apresentá-la a minha nova "família", de ter algum contato regular. Há quem diga que "não chegou a hora" mas que hora? Não acredito em destino, acredito no que vejo, nas escolhas que fazemos e nas suas consequências, não haverá "a hora" mas pode ser que haja ainda "uma hora", ou não.
Sigo olhando vez ou outra as notícias que a rede social me trazem dela, vida de rede social não é vida de verdade, mas neste caso é o que vale. Eu poderia terminar isso mandando algum recado a ela, fazendo algum pedido em público, expressando algum sentimento mas dessa vez, pela primeira vez, não se trata de uma indireta, nem de um meio de consertar o que fiz, nem de dar uma garantia de que sou outra e assim serei para sempre, não é mais uma carta, um e-mail, nem uma mensagem para ela, não sou eu me escondendo atrás de uma folha de papel ou de uma tela. São só as peças de um quebra-cabeça que comecei a montar quando criança e que hoje, perto dos 30, consigo encaixá-las com muito mais facilidade. Mas ainda assim, não sei como terminar a figura, assim como não sei onde encaixar o ponto final desta postagem.  

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