quarta-feira, 26 de março de 2014

quinze de março de dois mil e quatorze

Gosto de ler certos livros em ambientes diferentes. Tenho um livro de ônibus, um livro que não suscite as minhas dores da A.T.M., um livro leve de carregar e também leve de ler, pois as pessoas falam muito nos ônibus e no metrô. Falam com colegas de trabalho sobre clientes, falam por poucos centavos com alguém que se encontra por aí, em qualquer parte, pendurado em mais um, ou em um dos seus telefones celular. Meu último livro de ônibus foi O escolhido foi você da querida Miranda July, presente que ganhei de uma amiga mais querida ainda, tão criativa e talentosa quanto Miranda. O nome original do livro é It chooses you; se "O escolhido foi você" soa tão interessante,"It chooses you" é mais instigante ainda para mim, coisas que não temos em português, algo que nos escolha... It. Nessa tarde encontrei a amiga que me presenteou com esse livro. Sentar num café com alguém de quem você gosta tanto e compartilhar os seus sentimentos em relação a um livro é uma das coisas mais gostosas do mundo, assim como descobrir que choramos com as mesmas páginas e reforçar o nosso laço pelo mundo que algum livro nos propõe, ou encontrar esse nosso laço nele...
Na volta para casa involuntariamente me aproximo demais de uma moça com um livro na mão, meu lenço roça no livro dela quase tornando-se um obstáculo entre os seus olhos e as letras impressas no livro. Puxo o lenço e revelo o nome do autor no topo da página: Eduardo Galeano. Essa é uma das raras vezes em que encontro alguém no metrô lendo um livro que eu leria. Penso em colocar o livro que tenho do Eduardo Galeano na minha pilha de "próximos livros a serem lidos". A moça lê em espanhol; com a dança das cadeiras do metrô, descubro que ela lê As veias abertas da América Latina, o livro que tenho e que penso em colocar na lista dos próximos. Me dá vontade de perguntar a ela o que acha do livro, quem sabe com a resposta dela esse livro consegue o melhor lugar na minha fila de livros a serem lidos. Minha edição é de bolso, leve, será que é leve de ser assimilada e meio aos ruídos de tantos anseios pessoais no transporte público? Desisto de pensar na possibilidade de me comunicar com a moça e penso na possibilidade de prolongar o sorriso que esbocei ao cara bonito sentado ao meu lado, em quem uma das partes da minha saia longa - não a azul turquesa, nem a vinho, mas a azul escura comprada no mesmo bazar - enroscou. Por um momento a minha saia com pequenos defeitos de fabricação me vinculou ao moço e à senhora sentada perto dele, foi um vínculo flexível, elástico, de vai e volta, que se rompeu quando recolhi a saia e me desculpei aos dois com um sorriso. O moço é absorvido pelo celular e só se move para me dar passagem e sorrir como um retorno ao meu sorriso de agradecimento pelo grande espaço cedido a mim e a uma das minhas três saias longas comprada no bazar de roupas com pequenos defeitos de uma fábrica do bairro onde moro, meu sorriso pode valer também como um agradecimento à sua aparência que involuntariamente me agrada de alguma maneira. Desço na estação onde pego o ônibus para casa, olho pela janela e ele olha para onde ele quer, não para mim. Aperto o passo com aquela sensação de quem acredita que apertar o passo significa chegar antes de o ônibus partir do terminal, como se eu soubesse a hora em que ele parte, como se eu pudesse vê-lo, como se ele saísse antes de eu chegar no ponto só por eu estar andando devagar. Tento desviar de alguém que anda a pequenos passos na minha frente. Lembro de não checar o meu celular naquele momento para não andar daquele jeito, mas quem está ali no meio do caminho que me leva até o meu ônibus é a moça que lê o livro do Eduardo Galeano, que não larga o livro nem enquanto caminha - realmente deve ser um livro interessante! Chego no terminal antes do ônibus, pensando no quanto é possível encher-se de coisas boas em uma sexta-feira de folga. Chego em casa, coloco o livro na pilha de "próximos".

Um comentário:

  1. <3
    adorei esse, e não só pela amiga tão criativa e talentosa quando a miranda, tá? cof cof!

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