terça-feira, 25 de março de 2014

Say what you mean. Mean what you say!

Desde pequena me fascina a ideia do que é uma lista telefônica ou uma lista de endereços, a possibilidade de buscar algo mais de alguém, o caminho ou o código numérico que leva até o lugar onde a pessoa está fixada ou até mesmo à sua voz... mesmo que se faça esse percurso por nada, só para saber. Sou curiosa mas não invasiva, tenho o endereço mas não vou à casa, tenho o telefone mas não converso, mas hoje pode-se brincar mais com essas peças e saber muito mais, revelando-se muito mesmo com essas tais redes ditas sociais. Lá fora há muitos olhares e convites para se perder em outros mundos, todo tipo de mundo e, dependendo do mundo, compensa esquecer o caminho temporariamente. Mas há muito tempo eu ando com um mapa e não tenho mais coragem para me perder... os caminhos mágicos eram tão pequenos perto dos rochedos que às vezes me impediam de mudar de rumo... Eis que um dia tentei um caminho novo com o mapa dobrado e guardado no bolso.
Um cara trabalhava em um evento para o qual fui convidada por um amigo especial que nós, o tal cara e eu, temos em comum; o cara também era convidado, mas como estava lá também trabalhando, então estava em evidência. Devido ao meu passado espinhoso naquele círculo onde nos encontrávamos, decidi conter o meu olhar que começava a se perder nos olhos, cabelos e magreza dele. Seu nome era Ordep Omrac Arierep, mas era conhecido como Ordep Bagarre, contudo chamemos a encrenca aqui somente de O.
Algum tempo depois, desolada pelos desencontros e pelos beijos que partem em aviões, e desorientada pelo vazio e pelo frio das férias de Julho, me joguei nos desencontros da internet que nos levam aos lugares que buscamos e... encontrei O... e ele quis me encontrar, iniciamos  o que se chama "amizade" na rede social. Minha essência ansiosa me determinou (momento de má-fé existencialista) a descobrir o máximo de O. antes que ele abrisse a boca para me dizer "oi", ou encostasse os dedos em um teclado para digitar "oi". Dentre algumas coisas que se encontra em redes sociais, descobri que possivelmente ele tivera, ou que ainda tinha, um relacionamento duradouro e sério com uma moça que não estava na rede. As fotos dos dois, posando de casalzinho, Um ao lado da Outra, estavam curiosamente na página de quem eu compreendera que seria a irmã dela, e não na página dele. Havia também uma cachorra que se confundia com a moça, uma cachorra em uma rede social, uma cachorra plantada em fotos esperando por uma mãe que nunca termina o trabalho, que nunca volta para casa, uma cachorra desempregada que espera por quem lhe afaga os pelos cacheados, uma cachorra que lambe o pai a cada gracinha que ele faz, uma cachorra amada, desejada com quem ele gostaria de passar mais tempo... curiosamente a cachorra tinha o meu apelido. 
A relação com O. por meio de teclados e telas preenche algumas das minhas tardes e um dia - uma manhã, uma tarde e uma noite - enquanto eu sentia que deveria estar mesmo era trabalhando no texto da qualificação da minha dissertação de mestrado... mas eu já começava a sentir o cheiro das amêndoas amargas e a ficar tão  atordoada  a ponto de esquecer que a cachorra era filha de uma mulher ou era a própria cachorra a mulher de O., o verdadeiro cachorro. Não acredito no quanto sou tola para sentir cheiro de amêndoas amargas aos 27 que ainda não eram 28, talvez fosse porque ele se parecia com o melhor beijo da minha vida, não sei se eram os cabelos cacheados e grisalhos, o amor por algumas canções ou a chegada de ambos neste mundo na década de 1970... eram esses tipos que me faziam me perder no cheiro das amêndoas amargas.  Era como se nos conhecêssemos há uma década, fazíamos listinhas de coisas gostosas, no maior estilo daquela peça que tanto me fez chorar... Trilhas sonoras de amor perdidas.
O encontro real se aproxima e em um momento de lucidez, quando estou menos enjoada do cheiro das amêndoas, pergunto sobre a cachorra e recebo como resposta "Estou em um momento de separação". Ora, uma separação tem vários momentos até passar de "separando" a "separado", em qual deles eles estariam? E onde eu estaria nisso? Começava a me lembrar de um encontro que tive com um cara que dormia no sofá da ex porque ele não tinha para onde ir com os seus móveis e porque ela precisava dos móveis dele no apartamento dela... lembro que passei mal em todos os encontros e preocupei o cara excessivamente a ponto de ele me chamar pelo diminutivo do meu apelido e assim fazer com que eu, me sentindo do tamanho de uma ervilha, realmente me cansasse de passar mal e de ser chamada de "-inha". 
As amêndoas são mais fortes e eu dou continuidade no processo do encontro, vestindo a má-fé existencialista de novo, penso que não sei em que momento está a separação e que por falta de informação posso continuar, mesmo agora lembrando do buraco em que fiquei por causa de um relacionamento com o cara que tinha ex-esposa, dois filhos, namorada e um comércio, by the way, amigo de O. que naquele momento eu fingia não conhecer, para não misturar tanto - ou mais - as coisas, you know
O encontro acontece no dia mais frio do ano, talvez para que eu já me acostumasse com o banho de água fria que viria depois. O. é extremamente atraente e ao pensar nisso lembro que o meu grande defeito é esconder de mim mesma alguns defeitos das pessoas que acho muito atraentes, que futilidade prender-me tanto às aparências! O papo é agradável, seu olhar em cima de mim e seu olhar em direção às coisas são interessantes, a companhia é boa. Contudo eu, com todos os meus problemas de bicho do mato, me encontro quase em pânico e mais do que isso, com uns sentimentos indefiníveis, indecifráveis e indizíveis porque o encontro se dava no dia de um dos mais esperados e melhores shows que já vi na vida. Era emoção de sobra que não vou contar aqui pois é mais bonita e mais significante do que isso tudo. 
Ao final dos ruídos e da presença que encheram muitos olhos de sorrisos naquele teatro, O. me ofereceu uma carona até o metrô, me lembrei que talvez eu tivesse lido algo que ele escreveu na rede social sobre não ter carro, mas aceitei. Quando nos aproximamos no carro, notei um adesivo de um símbolo cristão, adesivo de carros de católicos praticantes, e O. não parecia um católico praticante. Entro no carro tremendo de frio e de medo da vontade de beijá-lo e noto um terço no espelho e bichinhos de pelúcia, um em cada canto do carro, um ursinho e uma pequena girafa, além do cheiro fofo que só lembro de ter sentido dentro do carro de um colega gay. Estudo questões ligadas à construção do masculino e do feminino e penso que não há problema algum em homens gostarem de ursinhos e girafas de pelúcia, mas ao mesmo tempo penso que essas construções são tão fortes que é muito difícil encontrar alguém que as tenha rompido, enquanto é muito mais fácil encontrar um homem que se coloca em um relacionamento sério e sai por aí com o carro da parceira conhecendo outras mulheres sem mencionar o contrato do relacionamento sério, fiquei com essa segunda opção. Minha vontade era de perguntar: "De quem é este carro?", mas não fazia sentido cobrar algo de alguém que não havia me prometido nada. Por outro lado, também não faria sentido se ele estivesse fazendo o que pensei, se não tivesse me contado que tinha uma namorada ou uma esposa. Mas era só "e se". "E se", "e se", "e se", what if? Penso em perguntar sobre os bichos de pelúcia, ele entra no carro, olho para o terço e pergunto "você é católico?"! Ele se enrola, fala em "valores de família", diz que sim, diz que não etc e eu já não estou prestando atenção na resposta mas em como ele se enrola nela. Seguimos para o metrô e nos beijamos a cada semáforo vermelho. Droga! Ele beijava igual ao dito "melhor beijo da minha vida"!
Volto pra casa com um sorriso de amêndoas de orelha a orelha, achando mil coisas da vida, pensando em mil coisas sobre O.
No dia seguinte a conversa esfria. Penso que é coisa da minha cabeça, respiro fundo, analiso... mas não, não é... a conversa intensa dispersa, o laço se afrouxa... mas ele correspondeu o beijo, o que EU fiz de errado? Dois dias depois toco no assunto da conversa fria e sugiro um encontro daqui a outros dois dias, ele se ofende sentindo-se "cobrado" e eu me desculpo... eu me desculpo! Passam os dias, ele retoma a conversa fria que esquenta até demais. Ele continua sem tempo para o segundo encontro - diz que é o trabalho, ao meu ver ele não se doa muito ao trabalho - mas me convida para um evento seu. Pergunto novamente sobre o momento da separação e em uma resposta mais enrolada do que a do terço no carro ele sugere que sejamos amigos e me acusa de ser "apressada e ansiosa". Hoje é claro perceber que a conversa fria e essas acusações foram para me afastar de descobrir que ele era casado, hoje é fácil perceber que tudo começou depois que em uma pergunta deixei claro que sabia de quem era o carro. Mas coincidentemente a ansiedade e consequentemente a pressa são os meus pontos fracos, então tocar nesse assunto me destrói.... passo uma noite em claro chorando e me perguntando sobre o que fiz de errado dessa vez. Escrevo pra O. e ele me responde do modo mais tranquilo, amigo e paciente... afinal, o que aconteceria se eu ficasse com raiva dele?
O. coloca  a amizade em prática, uma vez por semana, por um mês e agora sempre me acusa por eu ter que voltar para a minha dissertação e não ter mais tempo para acompanhá-lo em exposições e apresentações de dança (torna-se o meu amigo mais chato!). Seus olhos e suas mãos buscam as batatas das minhas pernas agora, até que eu me acostumo à situação, me sinto confortável, tento beijá-lo e ele... fecha a boca! Ele demonstra desejo e fecha a boca, fecha a porta do armário onde ele esconde algo, uma mulher, uma cachorra, a cachorrada que ele faz com a mulher e eu, a cachorrada que ele disfarça posando com a cachorra no colo e os bichinhos de pelúcia no carro. Pra mim chega! Começo a me afastar nesse dia, com a sensação de ter vivido o relacionamento mais absurdo e mais idiota em menos de dois meses... ele ainda manda mensagens, algumas de voz bem bregas e engraçadas. Stalker que sou, não sossego e procuro por mais pistas, surge uma foto da tal moça com a cabeça da cachorra ao lado de O. em uma festa de Ano Novo, e mando feliz ano novo para ele, para a cachorra e para a moça (a chamo pelo nome que ele nunca me contou) e ele me manda um sorriso. Também analiso melhor a cachorra esperando pela moça no restaurante, vejo o nome do restaurante na foto, pesquiso e descubro que o local fica no mesmo bairro em que O. mora. Os movimentos virtuais da suposta irmã da moça-mãe da cachorra-esposa de O.-trabalhadora do restaurante... os movimentos da irmã de todas elas indicam que estou na pista certa. Retorno ao falido blog de O., ao último post, que é sobre alguém a quem ele dá qualquer nome, alguém com quem ele tem problemas de dinheiro, alguém que reclama de dinheiro, que veste a sua camiseta, alguma, algum feminino com quem ele vive e o atormenta. A cachorra reclama que ela trabalha demais, O. reclama no blog (e reclamara comigo) sobre a necessidade que as pessoas tem por aí de dinheiro, seu plano é viver com pouco... mas o que percebo é que ele vive com pouco dele e muito dos outros, sua vida custa caro. 
Encontro o telefone do restaurante, ligo e peço para falar com alguém que tem o nome nas legendas das fotos nas redes sociais mas que não sei se existe porque ela não existe nas redes sociais:
Alô. Gostaria de falar com a...
Ela vem ao telefone, fala comigo e eu inicio: 
Oi, sou amiga do seu marido, ele me recomendou o restaurante em que você trabalha. Tudo bem? Você é a, ... , esposa do Ordep, não?
Ela confirma e eu desligo, só posso ficar feliz por ainda ter um bom faro que perpassa o odor das amêndoas amargas.


Começou em Julho de 2013. Há algo no relato acima que nunca aconteceu. 

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