domingo, 28 de fevereiro de 2016

Hoje não é dois mil e seis

para  G.

Em cada ponta de uma década:
nós, 
desatando em desejo, trincando beijos.
Eu aos vinte, tu aos trinta - e três.
Num piscar dos meus olhos, os teus,
aos teus quarenta - e quase três.
Era dois mil e seis:
Teus dentes, meus lábios, pela primeira vez.
Inverno, vestígios frios, etéreos e efêmeros.
Tuas malas de viagem cheias de mistério.
Por uma década, teu silêncio quase eterno me visita.
"Hoje não é dois mil e seis.", repeti.
Repeti, repeti.
Te enterrei. Me enterrei.
Dois mil e dezesseis:
Passado presente, acaso pensado.
Tu, da minha mente à minha frente.
Logo tua língua, minha boca,
teus dentes, meus dentes - ah teus dentes! -,
tua boca, minha língua, outra vez.
Hoje não é dois mil e seis 
nem dois mil e dezesseis.
Desfaz-se a década na duração surda a medidas.
Verão, teu novo olhar e a minha melhor versão.
Tu vestido? Quero não!
Teu corpo esclarece a minha mente obscura.
Teus dentes desenham no meu seio 
a delícia e a dor do desapego.
Nosso entrelaçar delicadamente intenso confunde o tempo.
No meu corpo prego desespero pressentindo tua ausência.
Tu, entregue e despido aos meus trinta,
a mim, enquanto eu viva, 
outra vez, não sei.
Tu: desaparecido pela segunda vez.
Sedenta, tensa de saudade, sinto, sento e não espero.
Ainda te desejo.
Na sombra do teu silêncio,
em meus dedos,
procuro o que ficou de ti.
Não sei se te escrevo ou se me penteio,
se esmurro o teu tempo ou o meu espelho.
Desbota no meu seio a duração do nosso desejo.
Hoje é só dois mil e dezesseis a se desenrolar no tempo.


Poema escrito a partir da foto 2, fotografia de Alice Vasconcelos, do 2° Foto Sarau, e a partir de uma experiência bastante significativa sobre a qual eu não estava conseguindo escrever.

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