domingo, 16 de agosto de 2015

os números da loteria

Meus anos pares
são melhores.
Ímpares, são difíceis.
Porque nos ímpares,
minha idade é par,
e para lidar com par
é preciso empurrar
com a barriga.
Nos anos pares
minha idade é ímpar.
Independente de um par
não há problema,
já que par é para mim
sempre um prejuízo.
Um por ano,
seja par ou seja ímpar,
qualquer que fosse a idade,
nunca houve
Paridade.

domingo, 9 de agosto de 2015

Do ridículo do machismo

Cantada é problema, é machista. Mas no fim, eu, alvo, ri do ridículo na pessoa que me cantou. 

A cena:

Manhã de um sábado na saída de uma estação de trem. Estou caminhando em um corredor vazio em direção à rua. Dois caras conversam encostados naquela catraca antiga da estação, um do lado de fora (no corredor pelo qual eu passo) e o outro, do lado de dentro. O que está dentro da estação GRITA quando eu passo:

Nossa, hein, princesa! É "nóis"! E aquele "what's" que você me passou naquele dia e eu perdi? Me passa de novo!


quinta-feira, 30 de julho de 2015

Distância
no tempo.
Tem problema não.
Tempero.
Tem tempo que te quero,
e já envelheço.

Repele
rei nesta pele.
Pede.
Pés delicados
não tenho.
Meus encantos?
Em algum canto
recôndito.
Recomeço, peço,
Na ponta dos pés:
Despela.

Langor.
Garoa.
Brota, gota a gota,
agouro no meu sonho.

Mal feito e de mal gosto

Se soubesse
que subo pelas paredes
quando sinto esse abraço,
que sinto até enjôo de barco...
Ficaria bem bravo
pela senhora ousadia
da menina.
O senhor ficaria de
braços cruzados.
E eu, de mãos atadas,
à deriva.

sexta-feira, 12 de junho de 2015

Trash french valentine

1.
Rumina o rompimento
Ruptura
Ansiedade obscura.
Canção de ninar:
"Dorme moça.
Amanhã não será mais pura.
Nem vai saber o que eu fazia
enquanto você dormia."
2.
Engole o seu destino
E o membro superior
Falo. Já ouviu falar de amor?
Me faz, porque eu te faço.
3.
Sexo a dois à dor.
De um lado dói?
Do outro, domina.
E não pára de ferir enquanto não termina.
Sexo a dois à dor.
De um lado a ferida,
Do outro, a folia.
Infinitamente nonstop.
Se é com dor, como chama?
Chamou a doença
E diluiu a dignidade alheia.

segunda-feira, 8 de junho de 2015

Em uma ordem qualquer, quem eu gostaria (muito) que viesse (logo) tocar em São Paulo

Sleater-Kinney
P.J. Harvey
Rainer Maria
Portishead
Veruca Salt
The Babes in Toyland
Superchunk

Veria de novo: The Breeders, Sonic Youth (e/ou Lee Ranaldo), Yo la tengo, Team Dresch.

(pensando em quem ainda está se apresentando; e sim, sei que posso ter esquecido de alguns nomes)

quarta-feira, 27 de maio de 2015

Classificados #2

Doutoranda com boa digitação em tablet e bico de papagaio no lado direito da mandíbula procura fisioterapeuta maduro, apreciador de suco de abacaxi com capim-santo, fã de Glenn Branca, com boa pegada e mão santa, para relacionamento sério.

Classificados #1

Ex-funcionária do comércio procura homem com credencial do clube dos comerciários, que leia Simone de Beauvoir, tenha um gato chamado Julio Cortázar e um telefone celular com lanterna, para relacionamento sério durante o outono e o inverno. São exigidos passeios mensais na unidade Bertioga do clube.

Sem indiretas e sem recadinhos. É só uma brincadeira de quem está solteira há tanto tempo.

segunda-feira, 11 de maio de 2015

Palabras y palavras: Les favourites

Palavra preferida: patacoada
Favourite word: bittersweet
Palabra preferida: paraguas
Mot preferé: Cocotte-Minute

Dog bless mes blessures

Bring me candies,
Just crush my heart.
Those little white candies,
They will make me cry
And crawl
With cranberry eyes
And coloured socks
Giving up skies
And asking you why.
Let me rhyme in English.
It is so much easier.
So much better to be blessed
Than être blessée.
Really? Seriously?
I'd rather lick mes blessures
Than being stuck in the blessing.

"Candy, candy, I can't let you go... Life is crazy... Candy, baby!"

Demora a secar os cabelos,
Pensa no Caso Dora,
Seca os pensamentos
Intrínsecos a uma massa seca.
Tem devorado moços com os olhos
Ressecados do recesso,
E do receio.
Recomeça a pensar no seu caso
Até que fura a casca.
Veste o casaco,
Olha-se no espelho com desprezo
E sai em busca de ar.
A cada letra,
Mais descaso
E mais se afasta
Da vida.

segunda-feira, 4 de maio de 2015

Se olham
quando passam,
Passa ou repassa.
Disfarça
mas pensa nele
e repensa o passado.
Perde o passo.
Sempre se arrepende,
A moça-repelente.

sábado, 4 de abril de 2015

aguada

Dividir águas com outrem
É quase um ultraje
Diante do medo de ser afogada.
Nem só em seu corpo
Em água
Sente-se tão à vontade.

Ilhada no hipermercado

Toldo azul estufa de ar enquanto o chão estufa de água.
Calçada e rua são só água.

O toldo forma ondas  na mesma direção para onde a água no chão corre.

Um funcionário de uma lanchonete fast food descansa em seu horário de almoço ou no final de seu expediente frustrado. Ele está ilhado em seu local de trabalho. Talvez ele descosture a sua sacolinha verde musgo para fazer um cobertor, e o seu boné preto com a palavra BOSS costurada em amarelo brilhante, em que um $ está no lugar de um S (BO$S), e junte aos seus tênis vermelhos para fazer um travesseiro para passar a noite ilhado em seu local de trabalho, impossibilitado de ir para casa, de passear de girafa ou de ônibus ostentando o cargo de boss de seu boné, cargo que está longe de alcançar em seu atual trabalho,  o que notamos pela sua cara amassada com olhos apertados como se o seu boné os pressionasse.
O toldo agora só balança a sua aba, como criança sentada em banco de adulto que balança as suas pernas no ar, o toldo azul com letras brancas, como cadarços brancos em tênis azuis de criança. A água, cansada de correr, agora se espalha e segue dissonante do toldo.
Isso dura muito pouco e logo o céu começa a acender e a apagar as suas lâmpadas, rosnando, para que comecem a sinfonia outra vez.
Ironicamente o vendedor também nos chama a atenção: "Atenção, clientes." Eu, que tenho medo de chuva e escrevo sobre ela agora para abafar esse medo, imediatamente penso que será anunciado que a loja vai fechar porque há muitas pessoas se escondendo da chuva aqui, e que teremos que ir para fora, dançar com o toldo e as águas sob as piscadelas e o rosnar do céu, quando, ironicamente, eu digo, o vendedor revela ao que ele quer que prestemos atenção: "Oferta relâmpago!" Percebo que será vantajoso ao mercado permanecer aberto enquanto a chuva durar. Só falta chamarem o funcionário boss para voltar a trabalhar.
04.03.2015

Ninguém mais deve se lembrar da terapia à moda antiga, de choque; choquinho agora é a nova onda da fisioterapia.
08.02.2015

27 de dezembro de 2014, uma semana sem Mima

Chora a falta,
Chora a falha,
Chora a forca,
O sufoco, o nó
Na garganta,
Nosso e da gata.

Anda, é hora
De ir embora.

Bola de amor vira bola de pêlo preto, irreconhecível, pelo asfalto que a acolhe no último abraço, em que ela olha para quem tanto amava, amou, esperando um gesto que a salve e eis que nada. Como será que é morrer sem entender quem te ama ao redor só te olhando morrer, como se isso fizesse parte da vida? Quando é que essa parte acaba e a vida volta ao normal?

domingo, 29 de março de 2015

nem mais um latido

Meu amigo me contou que não estava matando cachorro a grito, mas a paulada; comentei que eu não mato cachorro a grito, nem a paulada, mas que pedi para os cachorros silenciarem. 

domingo, 25 de janeiro de 2015

A bone spur in my
speech
Pink long-haired
bear
Citronella candle
Noise inside my
head
And there are light words,
beautiful songs
around my ears
How did you 
disappear?
Plastic in my
mouth
Noisy teeth
There is no doubt
The hurricane is
here.

domingo, 4 de janeiro de 2015

Certa vez entrei num debate em rede social sobre Valesca Popozuda ser ou não ser feminista, e quando citei a P.J. Harvey no meio da minha reflexão que transpirava desconfiança depois que analisei a letra de uma música de Valesca escrita por um homem machista, alguém escreveu algo como "não venham com música gringa" no meio de argumentos bem problemáticas. Lembrei dessa situação ao ver este vídeo: 


Não quero, aqui, continuar o debate, só compartilhar a recordação de que ainda prefiro muito mais a P.J. Harvey. Amém. Lick my legs, I'm on fire. Lick my legs of desire, cantou P.J. em "Rid of me".

Rainer Maria está de volta

Feliz 2015: http://www.brooklynvegan.com/archives/2015/01/rainer_maria_re_1.html

E aqui, uma campanha para trazer a banda ao Brasil: http://www.queremos.com.br/rainermaria?r=GoYF229

domingo, 21 de dezembro de 2014

Mima

Seu nome não poderia ser outro
e nenhum outro pode sê-la agora.
Confiava tanto em
nossos mimos,
que não se afastou
do carro,
seu objeto preferido;
justamente do carro
da mulher surda,
a quem o
GRITO
não fez sentido.
Agora,
fotos e ausência
que eu nego.
Meus olhos fofos
e minhas costas 
indobráveis
de tanto
desejar
que ficasse.
Foi ontem.
E não parece que
foi ontem.
Um ano após
o depósito da minha dissertação.
Daqui a um ano,
dois anos do depósito,
e um do relógio
que PAROU.
E roubou o nosso tempo.
Do vermelho em poça
que possuiu a nossa
Preta e branca,
Pretinha,
Menina, gata coletiva,
Mi, Mimas, Mimosa, Mimassauro.
Deitada no "pelucinha",
ela era
Pato, rato, galinha, porco-espinho, pinguim, peixinho.
Um pneu ou um oito ou um vaso.
Era muito amor,
e entre tantos nomes,
muito mais poses.
Era a gata
para um calendário diário.
365 poses eram possíveis.
Mas agora, nenhuma, nos próximos anos,
fará sentido. 

sábado, 20 de dezembro de 2014

Dix minutes dans la Cocotte-Minute

zine apresentado como trabalho final do módulo Intermédiaire 2 do curso de francês na EFL Global (o texto pode conter alguns erros)







patacoada

De cara caiada,
calada
como uma
pata acuada.
Patacoada.
Em polvorosa,
Rarefaço
o que eu
raramente faço, 
como um
polvo rosa.

mês de desprezo

dezembro,
dispenso.
mês de despesa
de presentes
intercambiáveis
que vem e que voltam
pra loja de onde vieram.
embalagens, presentes e
os mais sinceros desejos
descartáveis
e dobráveis.
mês de desespero.

problema poético

meu problema
com poema
é
explicar demais.
porque, que é, que era, que foi,
que, mas, mais, que,
sujeito, verbo, objeto
sujeitos a mais
uma linha,
um ponto;
uma vírgula,
outra linha
forte,
que não desfia,
mas que não
desafia
a escrita quadrada
em que enquadro
as imagens 
que escorrem pelos meus braços.

Ao ler Ana Cristina Cesar

Ana C.,
Prazer em te conhecer.
Me pergunto se os pais
da minha amiga com teu nome
Te leram.
Os meus, não.
Mas a minha caneta
se parece com a tua.
Contudo (não em tudo),
Era a tua
melhor entortada 
nas linhas retas.
Enquanto eu,
entorno a tinta
procurando
no poema que escrevo
qual será 
sua última 
linha.

terça-feira, 16 de dezembro de 2014

Por causa da eletricidade no chuveiro, 
escorrem traços de água pelo meu corpo.
Por causa da eletricidade do encontro,
traço o seu rosto no meu corpo.
Vejo traços do seu rosto
nos traços de água,
em mim. 

a partir da letra de "I'll make you mine", da banda Rainer Maria

Can you name all the bones in my body? Can you make all the tones in my head? Que responsabilidade seria ganhar esta caixa quadrada, desajeitada e dura na qual me encontro. F R Á G I L. Este lado para cima. Que crueldade entregar esta caixa a algum par de mãos macias, aquecidas e de bom coração. Que complexo nomear os ossos no corpo de alguém, separar os que doem dos que não doem, catalogar, dobrar os ossos e guardar em sacos plástico. 

Tem dias em que sou um amontoado de músculos, nervos e articulações embaraçados, enroscados e dobrados dentro de um envelope jogado em cima de uma mesa feita de ossos. Os ossos caminham e carregam o envelope.

Can you name all the bones in my body? Os ossos, os músculos, os nervos, as articulações, todos anônimos, gastos e degenerados pelo pensamento tóxico e pela ilusão de que alguém um dia possa vir a nomeá-los. Can you make all the tones in my head? Parar essa música, esse disco de um lado só que recomeça a cada minuto, que range no encostar da agulha fria que o costura, deixando marcas de sangue por onde ela passa. I could tame all the tigers in your bloodstream. É a agulha ou são as garras do tigre que abrem o espaço por onde o sangue escapa da pele que o aprisiona e o impede de correr? Os tigres estão aqui fora ou debaixo da pele? Can you lay all my ghosts in their graves? Pode o tigre fantasma voltar a dormir, o sangue parar de jorrar, o barulho cessar e o corpo se reorganizar? O que vejo são só tigres e ossos transparentes e acinzentados em meio a uma fumaça branca. 

Pintei de vermelho um par de brincos de tecido em formato de rosas que com o tempo de uso adquiriram um aspecto encardido. Fico me perguntando se quando eu vesti-los, não terão a impressão de que tenho uma ferida em cada orelha, principalmente quando eu começar a me contorcer por causa das dores que eu sinto no ouvido vez ou outra, volta e meia. 

domingo, 9 de novembro de 2014

Contam sobre a Sylvia Plath para as garotas que escrevem...

impressões sobre a peça Ilhada em mim - Sylvia Plath

Há dez anos, nesta mesma época do ano - há pouco mais de um mês do episódio do milho e das duas semanas vivendo de frutas e água de côco, assintindo desenhos e lendo Memórias de uma moça bem comportada, da Simone de Beauvoir - eu me sentia sufocada. Nesse sufoco, na passagem de um mundo para outro, com a janela aberta, ouvindo que uma vizinha tinha passado de um mundo para o outro, em outro sentido, eu lia todas as Sylvias Plath da biblioteca do bairro e encontrava conforto, abraços entre a capa e a contracapa dos livros, sabendo que alguém já tivera a sensação de estar sufocando, se afogando e afundando. Na mesma época eu comprei um cd da Kristin Hersh e encontrava o mesmo conforto na letra de The letter, que parecia ter saído da poesia de Sylvia Plath, neste trecho: Don't forget I'm living inside the space where walls and floor meet. There's a box inside my chest. An animal stuffed with my frustrations. Can you hear me? (Traduzindo: "Não esqueça que eu estou vivendo em um espaço onde paredes e chão se encontram. Há uma caixa dentro do meu estômago. Um animal recheado com as minhas frustrações. Você pode me ouvir?"
Embora eu associasse uma música da Kristin Hersh à Plath, foi outra música que me levou à autora. Bloody Ice Cream da banda riot grrrl Bikini Kill, dizia: The Sylvia Plath story is told to girls who write. They want us to think that to be a girl poet means you have to die. Who is it that told me that girls who write must suicide? I've another good one for you, we are turning cursive letters into knives (Traduzindo: "A história da Sylvia Plath é contada a garotas que escrevem. Querem que nós pensemos que ser uma poetisa significa que você tem que morrer. Quem é esse que me contou que garotas que escrevem devem se suicidar? Eu tenho uma outra boa para você, estamos transformando letras cursivas em facas."). Mencionando as tentativas de suicídio e então o suicídio de Sylvia Plath, a letra, ao meu ver, termina com uma boa nova positiva às "herdeiras" de Plath, às garotas que escrevem: a transformação da letra cursiva em faca, não para se matar, mas para atacar, para se defender daqueles que querem destinar todas as garotas que escrevem à morte. 
Nunca me aprofundei na obra de Plath, mas li tudo dela a que tive acesso, com exceção dos diários, que comecei a ler há alguns anos, parei e que considero reler desde o começo, agora indo até o fim, em um outro momento. Nos últimos dez anos carrego a autora no coração e por isso saber de uma peça sobre ela nos últimos meses me deixou bem contente. No último dia de apresentação de Ilhada em mim - Sylvia Plath, quando caiu uma chuva forte e muitíssimo desejada em São Paulo, depois de muitos dias sem chover, fui ao teatro do Sesc Pinheiros ver a peça, que começa com pingos do teto ao chão que está forrado de água, o que fazia com que os desavisados pudessem pensar que a chuva de fora estivesse interferindo lá dentro, mas na verdade era apenas o afogamento como metáfora para o sufoco de Plath, que se matou colocando a cabeça dentro do forno após abrir o gás de cozinha, dentro da cozinha fechada com todas as frestas vedadas. Não sou boa em resenhas e nada entendo de teatro, mas em poucas palavras posso contar que é uma peça difícil para quem a encena: há poucos diálogos, o áudio com verdadeiras gravações de Plath e do marido, as projeções das legendas do áudio e das suas poesias, o cenário, os movimentos e as expressões nos rostos do ator e da atriz que interpretam Sylvia e Ted, fazem a peça, contam, cortam, quebram, vão e voltam na história. O clima da peça é denso, tenso e pesado, mas lindo. É delicado e sufocante (talvez um pouco mais sufocante para quem estava com refluxo devido a um caos emocional no estômago, eu). A platéia aplaudiu em pé e ao levantar e eu desabei a chorar o sufoco que segurei durante toda a apresentação. 
Anos depois ainda há garotas que escrevem, sufocam, se afogam, mas que também reagem, que voltam empunhando letras cursivas como facas. Por isso fico com o final do poema de Plath Lady Lazarus
Out of the ash 
I rise with my red hair 
And I eat men like air

Como (des)construir uma mulher feia


 impressões sobre o filme Violette

Simone de Beauvoir se refere à Violette Leduc, nas cartas que escreve a Nelson Algren, como “a mulher feia”. Foi com alguma chateação que li e reli essas palavras e as reclamações de Beauvoir sobre as vezes em que jantava com Leduc. Aguentar a mulher feia parecia um fardo. Daí eu me lembrava de algumas parentes e vizinhas, que infelizmente estiveram muito presentes na minha formação – e que ainda insistem em invadir o meu espaço e da minha família –, que se dedicam a uma vida de aparências, que caluniam os outros, que criam intrigas nas vidas alheias enquanto se escondem atrás de sorrisos, cumprimentos cordiais e discursos em nome do amor. O fato de Beauvoir ter amizade com Leduc e rotulá-la como “a mulher feia” me remetia mais a esse tipo de pessoa – as parentes e as vizinhas – do que à mulher que desmantelou o Eterno feminino, tão nocivo às mulheres, e que chamava a atenção das mulheres para que elas se unissem. Mas nessas cartas já era também uma surpresa o encanto no qual ela se enredava em sua paixão por Algren.
Nunca fui atrás de outros escritos sobre Violette Leduc, nem dos escritos dela; em um livro sobre Beauvoir encontrei uma foto dela e não pude deixar de pensar em sua aparência, achei a mulher... feia; mas feia para mim, não universalmente feia. Mas eis que surge um filme sobre Violette Leduc: Violette (Violette, direção: Martin Provost, França, 2013), em que a saga de Leduc para tornar-se escritora e a amizade com Beauvoir são narradas com a importância que Leduc merece, com ênfase em sua escrita poética e com uma imagem forte e essencial da presença de Beauvoir na vida da escritora.
O filme mostra Violette já adulta, desde quando ela começa a arriscar as suas primeiras palavras pensando em escrever um livro - na época em que ela ainda roubava comida e negociava no mercado clandestino para sobreviver aos estragos da guerra – até o reconhecimento de sua obra que a permite caminhar com as suas próprias pernas e ter a própria vida em suas mãos de escritora.
Não poderia confrontar o que assisti com a vida de Leduc, já que esse filme é minha única referência a respeito dela. Nele, o que vi foi uma Violette Leduc inteligente, que mesmo sem ter estudado ou trabalhado, escrevia muito bem, mas que era ávida por algo que preenchesse ora o seu coração, ora o seu corpo. Ela buscava uma mulher, um homem, outra mulher, outro homem, alguém que a desejasse carnalmente mas se sentia, na maior parte do tempo, uma mulher feia que ninguém desejava. Ao mesmo tempo, ela queria atenção, talvez a atenção que não tivera da mãe, a quem ela acusa de nunca ter segurado a sua mão, mas somente a manga da sua blusa, para atravessar a rua quando criança. Leduc lamenta e se revolta o tempo todo pelo tempo que as coisas levam para acontecer para ela, ou por tudo o que deu errado em sua vida, e ela tem a si mesma como causa de todos esses estragos; quando ela se irrita com a mãe e esta lhe pergunta o que fizera a ela, Leduc responde: “Você me fez!”
Leduc parece buscar alguém mas desconfia de todos ao seu redor, outras vezes se apaixona e logo se decepciona por não ser correspondida da forma que espera. Ela chora em desespero como se todos fossem culpados pelos seus atos, e ela, culpada pelo que é, pelo que se tornou. Mas é nas relações intersubjetivas, mesmo que essas sejam tão espinhosas, que Leduc consegue alcançar alguma paz e satisfação em sua vida. Em Paris, na casa de um amigo do amigo que a magoara, ela encontra jogado o livro A Convidada de Simone de Beauvoir, ela leva o livro para casa, lê e decide entregar os seus escritos à Beauvoir, que os aceita, lê e passa a ajudar Leduc a publicá-los e a escrever mais. Mas Leduc se apaixona por Beauvoir, a cerca, cobra atenção, coleciona as suas fotos e a tem como objeto de desejo; atentando à essa situação, ficou bem mais fácil entender que Beauvoir carregava um fardo, já que Leduc não a deixava em paz e era um tanto insistente. Contudo, Beauvoir não a agrada, não a incentiva ao choro desenfreado, não a tem como coitada, não passa a mão em sua cabeça, mas sempre a impulsiona a escrever mais, e lhe mostra a importância desse trabalho. Beauvoir não deixa a amiga desistir, assinala a importância da busca por autonomia, e também a importância de contar sobre o aborto que fizera, sobre a sua sexualidade e sobre as suas experiências homoeróticas para ajudar outras mulheres. Beauvoir envia a Leduc, se passando pela Editora Gallimard, um pagamento mensal para que ela se sustente; além disso, Beauvoir também a acompanha no seu processo de recuperação em uma clínica quando ela adoece, levando as cartas e o reconhecimento da crítica nos jornais, que finalmente começam a surgir para o trabalho de Leduc. Assim, compreendo o quanto Beauvoir fez por Leduc, e se ela a chamava “a mulher feia” quando falava dela aos outros, ela de alguma forma preservava a sua identidade; para Beauvoir Violette Leduc era uma escritora, a tornar-se conhecida, com um trabalho importante por fazer pelas mulheres, e “a mulher feia” era a sua amiga carente que a idolatrava e cobrava demasiada atenção, que fugia desse trabalho e que se escondia em um ser-mulher-feia.
É preciso o reconhecimento de seus projetos, que lhe trazem sustento e a aprovação pelo olhar do outro, e quando ela se debruça sobre o trabalho e recebe esse reconhecimento, vemos uma mulher cuja aparência lhe pesa menos, que respeita a liberdade de Beauvoir na relação que elas mantém, que abre espaço para que as pessoas se aproximem dela e até mesmo a desejem, e que não dá tanta importância quando alguém a abandona.
Leduc encontra um lugar no campo para viver, e é nesse lugar que ela está apaziguada, sem asfixia, sem ser a filha bastarda, sem estragos (Asfixia, A filha bastarda e Estragos são títulos de seus livros), escrevendo no final do filme, enquanto Beauvoir está na televisão falando do percurso de Leduc e da contribuição que ela fez às mulheres que, naquela altura (década de '60), já tinham a permissão para abrir conta em banco, sem o marido (exemplo mostrado no filme).
Vejo no final do filme uma lente feminista, que exalta toda e qualquer emancipação da mulher, por meio do trabalho, do coletivo, da amizade entre duas mulheres, da literatura a partir de confissões íntimas que falam com e por muitas outras mulheres. Sozinha, Leduc existia enquanto mulher feia e assim insistia em mostrar-se ao mundo. Beauvoir a força a deixar de lado a má-fé da feiúra e a assumir a própria existência para além do seu corpo, a fazer de si o que não seja “a mulher feia”. A feiúra de Leduc não está em absoluto no seu rosto, mas está nos maus tratos às mulheres solteiras que recusam o casamento, às mulheres lésbicas, às mulheres que abortam; a feiúra de Leduc é construída pela sociedade que a convence a assumi-la, e é escutando Beauvoir que ela vira a mesa e desconstrói a sua feiúra ao expor a sua singularidade: a sua sexualidade, e a sua vontade de não casar e de não ser mãe, como escolhas de qualquer mulher, de muitas mulheres, que se tornam feias aos olhos da moral dominante. É nesse momento que o penteado, as roupas e a maquiagem de Leduc mudam; ao meu ver, ficam mais harmoniosos e mais bonitos, mas longe de tentar impor à mulher um modelo de aparência para que ela fique bonita, prefiro entender que ver uma Leduc bonita na tela corresponde a um tornar-se bonita – independente de como se dá esse tornar-se – que representa um tornar-se o que quiser, deixando assim de existir enquanto mulher feia. 

sábado, 20 de setembro de 2014

sábado, 26 de julho de 2014

quando a neve começa a derreter

Laura ouvia Portishead quando foi humilhada em sua própria casa. Era um dia frio em que a neve forrava os telhados de um aparente clarão sólido e fofo que logo depois derreteria e faria todos escorregarem até tocarem não só com os pés, mas com o corpo todo o chão da realidade, ela continuava a ouvir Portishead e tentava se concentrar em mais um artigo de botânica de uma futura colega que iria trabalhar com ela em sua próxima pesquisa enquanto sua cabeça chacoalhava por dentro e corava de um tom semelhante ao do vinho o seu rosto ornado por redondas lentes sustentadas por um acrílico vermelho sangue, ela lembrava da humilhação. Fora humilhada em sua própria casa, obrigada a entregar a sua presença e o seu sorriso para alguém que por acaso era da mesma família que ela, isso aos olhos da sociedade, porque para ela... o que era família? Família nada mais era do que as pessoas que a aceitavam e que viviam e construíam coisas significativas com ela, quase isso. Ela se sentia um galho de uma árvore que estava por um fio para se separar de todos os outros galhos que o apertavam e das folhas que balançavam sobre e sob ele. Laura não compreendia como a forçavam a simplesmente descer as escadas, entregar o seu sorriso, um mecânico "tudo bem e você?" e deixar-se tocar por alguém que a difamara, para a sanguessuga da árvore de sangue, para alguém que manipulava e colocava cupins na árvore inteira. Laura não sabia onde cairia se o galho quebrasse, nem sabia se compraria um serrote para se livrar de tudo isso. A cena durava menos de um minuto, mas a humilhação permanecia por horas, isso quando ela não tinha que engolir presentes junto com tudo que ela apertava entre os dentes e se recusava a engolir, mas era impedida de falar, impedida por uma ameaça de um coração explodir ou impedida pelo seu próprio cansaço em saber que a sanguessuga, a difamadora, a manipuladora, a senhora dos cupins, iria torcer todos os galhos, chacoalhar a árvore e fazer de Laura a vilã. Era mais um dia com um gosto cinza de formigas no estômago em que a neve começava a derreter com a esperança de Laura ser quem ela queria, mais um dia em que Laura queria sumir e não falar mais com toda árvore. Mas ainda não, só quando ela terminasse de cortar as suas próprias lascas para construir o seu próprio abrigo.

Alice Ruiz - grande informação!

Alice Ruiz estará na Livraria Cultura do Conjunto Nacional às 19 horas da segunda-feira, dia 28 de julho de 2014, diz este link aqui: http://www.livrariacultura.com.br/scripts/eventos/resenha/resenha.asp?nevento=38004

Quem disse que saindo do facebook a gente não sabe das coisas bacanas que acontecem por aí?

A última novela que acompanhei terminou na semana passada

A novela Em família terminou há uma semana e durante esses sete dias tenho pensado que todas as noites em que parei o que estava fazendo para sentar e ver a novela com olhos e ouvidos bem abertos às personagens femininas não foram uma busca por entretenimento, mas um exercício de análise dessas personagens. Não foi uma análise planejada, não adotei nenhuma base ou critério para analisar, somente a minha cabeça de "sujeita feminista", se assim posso me definir (não sou parte de nenhum coletivo, sou apenas uma), junto a tudo que já li e estudei sobre mulher. É verdade que os últimos meses tem passado muito devagar para mim e que todas as coisas importantes que tenho para fazer e todas as outras que arrumo para me distrair não preenchem esse tempo - últimas aulas para dar, provas para corrigir, leituras para o doutorado, ser leitora de um amigo, rever algumas pessoas queridas, passar a roupa, fazer almoço, lavar a louça, limpar e arrumar o quarto, o treino e a aula de alongamento na academia, a cada dois dias colocar dois livros da pilha de livros que comprei em sebos, desde que comecei a comprar livros, em sacos plásticos com bicarbonato por dois dias e depois limpar as suas capas... nada disso preenche tão bem as vinte e quatro horas de cada um dos dias que antecedem o trinta e um de julho, quando uma resposta que aguardo será divulgada. Então, no meio disso tudo coube a novela dita "das oito", que começava por volta das nove da noite. 
Apesar do meu foco ser aquilo que era identificado como feminino na novela, quem começou a me chamar a atenção foi o personagem Laerte (Gabriel Braga Nunes, ator acusado de agredir uma travesti em 2007 -http://ego.globo.com/Gente/Noticias/0,,MUL320047-9798,00-GABRIEL+BRAGA+NUNES+E+ACUSADO+DE+AGREDIR+TRAVESTI+ENVOLVIDO+NO+CASO+ROMULO+.html) que, quando jovem, enterrara vivo Virgílio (Humberto Martins), seu amigo (oi?), após uma briga por causa de Helena (Julia Lemmertz), a Leninha, quem os dois diziam que amava. Em determinado momento da novela - uns capítulos antes de eu começar a acompanhar - Laerte ressurge como o flautista galã que arrasa corações, o que me fazia a todo momento comentar com a minha mãe que seria bastante grave se fosse esquecido ao longo da novela que Laerte enterrou o coleguinha vivo e ele passasse a ser visto como o moço adorável. Acho que comecei a assistir Em família para ver o que o horário nobre da Globo queria nos mostrar, afinal, agredir um dia e virar galã no outro é o que a gente vê por aí, né, dentro e fora das telas. Depois do Laerte, outro susto, este maior, decisivo para que eu decidisse acompanhar a novela: a tia mais nova da Leninha, Juliana (Vanessa Gerbelli) não consegue engravidar e para tornar-se mãe tem ideias (e dá ideias às telespectadoras) bastante arriscadas, como torcer para que Gorete (Carol Macedo), sua empregada, não resista ao acidente que sofreu para que a filha dela, Bia (Bruna Farias), torne-se sua filha. Ou ainda, depois que a Gorete morre, Juliana seduz Jairo (Marcello Melo Jr.), marido da falecida Gorete, para que ele se case com ela, para que ela possa ter a Bia como filha. Só que a Juliana e o Jairo mal se conhecem, ela coloca um estranho em sua casa e oferece a si mesma a ele para realizar o tal do "sonho de ser mãe". Ora, e a adoção, a "barriga de aluguel"... ? Nada disso sequer é considerado e essas ideias ridículas da Juliana são levadas adiante e aceitas na novela quase com naturalidade. Eis o problema dois em Juliana & Jairo: Jairo é um machista daqueles que exige 24 horas de disponibilidade da mulher na cama só por que ele quer, mas o Jairo também é aquele personagem que as novelas da Globo chamam de "cara da comunidade", sabe? O Jairo é de uma classe social mais baixa do que a Juliana, ele mora em um bairro afastado, pouco asfaltado, e aí a coisa toda dá um nó, ele vem de outro meio e ele é um babaca... então fica a pergunta: por que o babaca machista tem que ser o tal do "cara da comunidade"? Por outro lado, a Juliana, moça de família rica que não trabalha, quer mudar o Jairo... ela não gosta do jeito que ele age, mas ela não percebe que eles não tem nada em comum a ser vivido, e ela segue com aquela ideia de primeiro escolher o cara e depois moldá-lo, na vestimenta, no comportamento e (pasmem!) na alimentação. Essas diferenças fazem alguns dos altos, beeem altos, e baixos, beeem baixos da novela, até que no final a gente entende que eles continuarão vivendo assim para sempre, agora junto com Nando (Leonardo Medeiros), ex-marido da Juliana e verdadeiro pai da Bia (todo aquele trabalho da Juliana em seduzir o Jairo para ganhar a Bia... é, foi em vão), "rival" do Jairo em disputas de afirmação de masculinidade, onde vale até disputar quem conseguiu engravidar a Juliana do filho que ela "segurou" (Jairo) e quem não conseguiu (Nando).
Deixo a Juliana de lado e volto à Leninha para fazer apenas um comentário, já que não tenho a intenção de contar a novela inteira, mas de chamar a atenção para aquilo que me fez pensar no que havia de perigoso, mas também no que havia de mudança positiva, em uma novela com personagens femininas tão complexas. Mas então... a Leninha, de quem não tenho muito o que falar, em determinado momento de nervoso, ao ser contida pelo Virgílio, seu marido, diz que toda mulher gosta ou quer ou precisa (não me lembro qual dos três) ser contida. Ouvir uma vez essa frase já me deixou nervosa, imaginem ouvir duas! - em outro capítulo ela aparece lembrando da cena. Por que seria bom para uma mulher ser contida, ser mais contida do que toda a sociedade já a contém? Aliás, contida é a filha da Leninha, Luiza (Bruna Marquezine), pelo seu namorado, grande amor, super galã, ex-namorado da mãe dela que enterrou o pai dela vivo, quem, quem, quem... Laerte. Ele passa a novela toda fazendo juras de amor loucas (propõe um pacto de sangue, enche a casa dela de flores após uma briga) enquanto não permite que a menina frequente festas da faculdade, a incentiva a deixar os estudos, tem ciúmes dela quando ela conversa com outros homens e a trata com autoridade, como se fosse dono dela. Luiza é a mulher maior de idade mais nova da novela mas é a mais cerceada, o que me fez pensar que isso pode ser um alerta positivo, dependendo de como encarado, para a geração atual de que essas meninas não estão imunes ao machismo e a tornarem-se presas de namorados dominadores que se desculpam com o famoso "eu te amo". 
A melhor amiga da Luiza é Alice (Érika Januza), a personagem em que vi mais força e indignação. Alice é negra e filha de Neidinha (Elina de Souza). Neidinha engravidou de Alice em um estupro, e ao descobrir isso, Alice persegue a história de sua mãe em busca do estuprador da mãe, primeiramente aparentemente com alguma curiosidade em saber quem seria o que a sociedade chamaria seu "pai", mas depois em busca de vingança. Neidinha carrega um trauma pesado, o que serve para mostrar que um estupro não é algo simples de se lidar, mas a novela escorrega quando a personagem está em uma conversa na qual a mensagem passada é que uma criança não deveria pagar pelo estupro, por isso ela não abortou e seguiu com a gravidez, o que descarta qualquer discussão sobre aborto com a sociedade na novela. O horário nobre da Globo bate o martelo encerrando a conversa sobre o aborto, quando um outro ponto de vista poderia confrontar o da inocência da criança, o da inocência da mãe, que também não deveria pagar pelo estupro, levando adiante uma gravidez indesejada. Por outro lado, voltando à Alice, na sua busca por justiça, ela se aproxima de uma ONG que combate a violência contra mulheres, torna-se policial e dispensa o namorado que não a apoia na nova carreira. Ela é corajosa, chegando a colocar-se como isca para capturar um estuprador, atitude que considero bastante arriscada, e tema arriscado também, pois ela se coloca como isca de maneira desprevenida e até um pouco ingênua no começo, chegando a sofrer uma tentativa de ataque, o que pode gerar aquele famoso "bem feito, quem mandou se arriscar?", que mina várias discussões sobre estupro há muito tempo. Mas ainda assim eu gostei de ver uma personagem como Alice: mulher, negra (com cabelos cacheados ao alto, detalhe que admirei na novela - não alisaram os cabelos das mulheres negras!!!), corajosa, inteligente e independente. Pena que no final ela se casa de repente com um colega de trabalho fofo, não que ela não possa se casar, mas fiquei com a impressão de que imperou aquele discurso que diz que apesar de ser livre e independente, toda mulher busca o tal do príncipe encantado. 
O casamento de Alice - que ocorreu junto com o da mãe - foi celebrado por uma mulher, a segunda mulher a celebrar um casamento em Em família. A primeira mulher a unir um casal uniu outras duas mulheres, Clara (Giovanna Antonelli) e Marina (Tainá Müller). Sim, mulheres se amaram e se casaram em uma novela, e não houve explosão em shopping center!!! Clara e Marina também me empolgaram a ver a novela até o fim e confesso que até mais ou menos a metade eu estava muito pessimista, achando que não haveria nenhum avanço no tema. Mas fiquei surpresa. Ok, os poucos beijos entre as duas (acho que foram dois) eram quase fraternais e a vida sexual delas foi ignorada. Por um lado, houve uma coisa boa, não teve "rufem os tambores que hoje tem beijo/transa entre duas mulheres!", como já houve em novelas em que havia personagens gays; por outro lado, vimos beijos e mais beijos, transas e mais transas, de todo casal da novela, todos heterossexuais, e entre elas, tudo foi discreto, ou seja, isso destoa, e sabemos o motivo. Mas tem mais! No início da novela a Marina era uma personagem mega mimada, chata e insistente que cercava a Clara como vários carinhas que não entendem um "não", além disso a Marina era colocada em cenas com as amigas, também lésbicas, que pareciam exalar sensualidade, o que era bem forçado. Enquanto Clara começava a amar e desejar uma mulher pela primeira vez, tendo que decidir se ia atrás do que sentia, ou se ficava em seu casamento tido como ideal com Cadu (Reynaldo Gianecchini), que acabara de passar por um transplante de coração. A essa altura eu me irritava com a novela e imaginava que o pior rumo seria tomado, mas não! De repente, já nas últimas semanas, a Clara já tinha se separado, considerava morar com Marina, a família aceitou, o ex-marido aceitou, o filho aceitou com naturalidade, os personagens da novela faziam comentários positivos sobre Clara e Marina juntas, cenas de homofobia foram mostradas com repúdio e elas se casaram! E fora da novela, Giovanna Antonelli foi a estrela da publicidade, de joias a esmalte, a personagem mulher que se apaixona por outra mulher foi escolhida para ditar a moda e foi aceita, a foto dela está ali ainda, no vagão do metrô e na perfumaria - não que eu goste desse universo da publicidade, mas ele existe e influencia muita gente. Tá, há mundos muito mais justos e bonitos do que esse de novela-de-horário-nobre-da-Globo-mimimi, onde essas coisas acontecem porque podem acontecer e não como um favor, mas é justamente por esse não ser dos mundos mais justos e bonitos que eu não esperava tudo isso acontecendo, e aconteceu, o que não podemos negar que funcione com alguma contribuição, afinal muitas pessoas enxergam o mundo por meio do que "na novela pode", "na lei pode" - é lamentável mas isso existe. 
Mas apesar de Clara e Marina terem paz e um final feliz, Cadu foi disputado por duas mulheres, Verônica (Helena Ranaldi), com quem ele fica no final, e Silvia (Bianca Rinaldi), o que me parece um lembrete de que a Clara estava dispensando ninguém mais, ninguém menos, do que o Gianecchini, aquele que nos enfiam na tv como "o galã". A Silvia, a que não fica com Cadu, fica com seu amigo Felipe (Thiago Mendonça) que implorou o amor da moça durante toda a novela, e aí vem outro problema grave, algo que me incomodou demais. Silvia resiste a Felipe, ou realmente o enxerga somente como amigo, durante a novela toda, mas ela transa com ele quando está muito bêbada (bebedeira que ela procura depois de ver Verônica e Cadu se beijando) e ele está sóbrio, verdadeiramente e incrivelmente sóbrio, depois de passar por uma reabilitação, ele nem tenta resistir à situação e tira proveito disso, e acorda ao lado dela com cara de bobo apaixonado. Felipe transa com Silvia alcoolizada (ponto final). E tá tudo bem pra Globo. No máximo ela acorda assustada de manhã ao lado dele nua e dá aquela bronquinha nele que a gente dá em quem só fez uma brincadeirinha sem graça com a gente. Ora, isso é sério! Esse talvez tenha sido o maior passo para trás de Em família, muito bem camuflado pelo fato de Felipe ser o menino sonhador e apaixonado pela moça da qual ele se aproveita e pelo fato de ela já estar começando a vê-lo como mais do que um amigo. Mas muito curioso a cena ser protagonizada por um ex-alcoólatra. Felipe insiste ao longo da novela no mal que o álcool lhe faz, ele é humilhado e chega a ser proibido temporariamente de exercer a sua profissão - ele é médico - por causa de um erro cometido por ele em um paciente quando  estava alcoolizado. Como Felipe, que fez coisas que não desejava, foi humilhado por sua condição de alcoólatra mas que recuperou o respeito de todos, foi acolhido no AA, negou a vida em dependência do álcool quando buscou a reabilitação, passa por cima da vontade de Silvia, aquela que ele diz que é o grande amor da sua vida, quando ela estava alcoolizada? Fiquei chocada e nenhuma explicação ou debate surgiu após a cena.
Outro grande deslize foi com as empregadas, Gorete, Guiomar (Jéssika Alves), Rosa (Tânia Toko) e Zu (Gisele Alves). Ainda persiste a ideia de uma família adotar uma empregada doméstica que dorme, ou melhor, vive, no local de trabalho, por muitos anos, e que não tem a própria vida, nem a própria história, mas que é parte da família, como se isso fosse um grande carinho que elas recebem.  
Enquanto isso, outro dia vi na banca de jornal a Tainá Müller, a Marina, em uma pose sensual na capa da revista VIP com aquelas frases que oferecem aos homens o corpo e a beleza da moça, e há pouco, nas minhas pesquisas no Google dos nomes das atrizes e dos atores que interpretaram personagens que citei aqui, fiquei sabendo que Jéssika Alves, a Gorete, será capa da revista masculina Playboy. Parece que lá fora o mundo segue como antes, que o corpo das mulheres como objeto de desejo ainda é oferecido, mas ainda assim persisti em me lembrar de tudo o que eu queria comentar e chegar até o fim desse texto. Não comecei a assistir a nova novela porque logo o segundo semestre começa e a minha ansiedade vai baixar, além da correria que vai ressurgir, mas desejo que pelo menos algum debate ela suscite e que olhares críticos a mirem de vez em quando. Ah, não disse no começo, mas eu não tenho hábito de ver novela, novela é algo que não me prende a atenção, por isso até o final de Em família não parei de me perguntar pelo motivo que me fazia correr para a frente da tv fazendo previsões, debates e comentários com a minha mãe, com uma sede curiosa pelo que viria. São alguns dos pontos que apontei aqui que explicam esse período que vivi.


P.s.1: O post que nunca termina! Bárbara (Polliana Aleixo) foge do padrão magrela ou gostosa ditado pela tv e não é ridicularizada (mas pena que ela emagrece um pouco depois) e além disso, ela espera o tanto que ela quer para ter a sua primeira transa. Ah, mas o mesmo Google que me deu o nome da atriz me deu também a informação de que a revista Playboy está rodeando a moça.
P.s.2: Não paro de lembrar. Ninguém cansou ainda de personagens como Branca (Angela Vieira) e Shirley (Vivianne Pasmanter), que vivem em função de se vingar ou de reconquistar um homem e destruir todas as mulheres que se aproximam dele? As atrizes são ótimas, pra que colocá-las em personagens que vivem pelas glórias do amado e alimentam a rivalidade entre mulheres?
P.s.3: O final! No final da novela Laerte é assassinado na porta da igreja após o seu casamento com Luiza. Quem dispara o tiro é Lívia (Louise D'Tuani), uma das cinco mulheres que já se apaixonaram por Laerte. Como água parada, não há grandes movimentos da personagem na novela, no final é ela quem causa o estrago maior. Considerando que as novelas matam aqueles que merecem condenação, parece que o que Laerte fez, incluindo a posse doentia que ele pretendia ter de Luiza, foi repudiado de alguma forma. Contudo, a atiradora é simplesmente levada pela polícia e desaparece da novela, como "a assassina" ou até mesmo "a louca ciumenta", quando poderia ter sido explorado o que leva Lívia a assassinar Laerte depois de escutá-lo dizer a Verônica que só estava enrolando a moça, após Verônica contar que Lívia estava completamente apaixonada por ele e por isso terminara um namoro de dois anos.
P.s.4: Se eu lembrar de algo a acrescentar, escreverei aqui. 

sexta-feira, 11 de julho de 2014

um zine talvez como os que eu fazia e que talvez eu nunca mais consiga fazer

Há muito tempo não faço zines. Há muito tempo não tenho boas ideias para um zine. Há muito tempo não me vejo fazendo zines. Há muito tempo me empolgo com ideias quase incríveis que ficam apagadas e abandonadas neste blog. Há muito tempo não vejo um zine que me empolga... mas hoje vejo este, parecido com os que já fiz um dia e fiquei lendo, relendo, reelaborando e celebrando, com olhos brilhando, antes mesmo de sair mostrando para todo mundo; há muito tempo não penso que talvez um dia eu volte a fazer um zine como este. Ainda bem que há quem o faça, aqui: zine Ainda Não, de Carla Duarte 

sábado, 5 de julho de 2014

sonho

manhã de cinco de julho de dois mil e quatorze


Sonhei que me sentava ao seu lado, que de repente não vestíamos nada da cintura para cima e que você me abraçava, enquanto isso, uma criança nos olhava. Não havia contexto sexual no ato, mas havia na mente de quem eu era no sonho ou, há na minha mente, que foi quem sonhou. A criança que nos olhava parecia me inibir, talvez fosse um dos seus futuros filhos, dos quais eu espero não ser madrinha pois não lido tão bem com crianças e penso que isso não vai mudar tão cedo, nem tão facilmente. Acordei assustada, voltando a pensar em como pode ser bom calçar um sapato de número menor ao invés de calçar aquele tamanho 30 e pouco cinza platinado que tanto procurei, mas agora é tarde. Voltei a pensar em como este blog é uma ilusão de que sou anônima, já que quem me lê conhece muito bem todas as minhas palavras e para manter outrem também anônimo em um post como este é preciso velar muitas palavras, também para calar a minha velha vontade de dizer tudo diretamente e honestamente sobre os meus desejos, pequenas paixões e intenções românticas, que quando realizada, já criou situações sem saída, de pena, embaraçosas e até mesmo imaginárias. Prometo a mim mesma todos os dias não me declarar sem que nada tenha sido construído, não declarar a vontade de um beijo, um "eu gosto um pouco mais de você", nem qualquer outra atração, para não impedir que tudo isso seja construído além de mim, de uma forma ou de outra, como alguma verdade. Por isso, não conto com quem sonhei, nem me declaro a quem estava no sonho.

recorte de reflexão

Reviver.
Recordar.
Recortar.
Remar.
A
F
U
N
D
A
R
.

sem título

Túnel do tempo
no espelho.
Espero
respostas de outro
tempo, dos anos,
NO REFLEXO
Escuto, enxergo.
Encontro azar,
Há sete anos. 

clichê

Vi na
t.v. que
minha vida
pouco vale.
Reinvento.

Leio no momento:

A era dos extremos (Eric Hobsbawm) - pelos próximos anos, nem que seja uma página por dia.
O que eu amava (Siri Hustvedt) - indicação preciosa que me encanta no momento.

E as primeiras leituras como lição de casa de início de doutorado:
Os Mandarins (Simone de Beauvoir)
A mulher desiludida (Simone de Beauvoir)

Próximo da fila:
Quando o espiritual domina (Simone de Beauvoir)

Recorte

Olho para o rosto no espelho e tenho vontade de traçar uma linha para constatar as diferenças entre o lado esquerdo e o lado direito. Mas por que deveriam ser iguais se fico mais à esquerda, escuto música torta, leio livro que tem capítulos fora de ordem, meu cabelo liso e reto me irrita diariamente e tenho uma perna mais curta do que a outra?

Da inautenticidade dos meus casos de amor

só acontecia em mim.
só eu vi.

assombração

1. medo de bichos que voam ou rastejam
2. medo de que o teto caia,
ou 2.2 de que o chão se rompa.