sábado, 20 de setembro de 2014

sábado, 26 de julho de 2014

quando a neve começa a derreter

Laura ouvia Portishead quando foi humilhada em sua própria casa. Era um dia frio em que a neve forrava os telhados de um aparente clarão sólido e fofo que logo depois derreteria e faria todos escorregarem até tocarem não só com os pés, mas com o corpo todo o chão da realidade, ela continuava a ouvir Portishead e tentava se concentrar em mais um artigo de botânica de uma futura colega que iria trabalhar com ela em sua próxima pesquisa enquanto sua cabeça chacoalhava por dentro e corava de um tom semelhante ao do vinho o seu rosto ornado por redondas lentes sustentadas por um acrílico vermelho sangue, ela lembrava da humilhação. Fora humilhada em sua própria casa, obrigada a entregar a sua presença e o seu sorriso para alguém que por acaso era da mesma família que ela, isso aos olhos da sociedade, porque para ela... o que era família? Família nada mais era do que as pessoas que a aceitavam e que viviam e construíam coisas significativas com ela, quase isso. Ela se sentia um galho de uma árvore que estava por um fio para se separar de todos os outros galhos que o apertavam e das folhas que balançavam sobre e sob ele. Laura não compreendia como a forçavam a simplesmente descer as escadas, entregar o seu sorriso, um mecânico "tudo bem e você?" e deixar-se tocar por alguém que a difamara, para a sanguessuga da árvore de sangue, para alguém que manipulava e colocava cupins na árvore inteira. Laura não sabia onde cairia se o galho quebrasse, nem sabia se compraria um serrote para se livrar de tudo isso. A cena durava menos de um minuto, mas a humilhação permanecia por horas, isso quando ela não tinha que engolir presentes junto com tudo que ela apertava entre os dentes e se recusava a engolir, mas era impedida de falar, impedida por uma ameaça de um coração explodir ou impedida pelo seu próprio cansaço em saber que a sanguessuga, a difamadora, a manipuladora, a senhora dos cupins, iria torcer todos os galhos, chacoalhar a árvore e fazer de Laura a vilã. Era mais um dia com um gosto cinza de formigas no estômago em que a neve começava a derreter com a esperança de Laura ser quem ela queria, mais um dia em que Laura queria sumir e não falar mais com toda árvore. Mas ainda não, só quando ela terminasse de cortar as suas próprias lascas para construir o seu próprio abrigo.

Alice Ruiz - grande informação!

Alice Ruiz estará na Livraria Cultura do Conjunto Nacional às 19 horas da segunda-feira, dia 28 de julho de 2014, diz este link aqui: http://www.livrariacultura.com.br/scripts/eventos/resenha/resenha.asp?nevento=38004

Quem disse que saindo do facebook a gente não sabe das coisas bacanas que acontecem por aí?

A última novela que acompanhei terminou na semana passada

A novela Em família terminou há uma semana e durante esses sete dias tenho pensado que todas as noites em que parei o que estava fazendo para sentar e ver a novela com olhos e ouvidos bem abertos às personagens femininas não foram uma busca por entretenimento, mas um exercício de análise dessas personagens. Não foi uma análise planejada, não adotei nenhuma base ou critério para analisar, somente a minha cabeça de "sujeita feminista", se assim posso me definir (não sou parte de nenhum coletivo, sou apenas uma), junto a tudo que já li e estudei sobre mulher. É verdade que os últimos meses tem passado muito devagar para mim e que todas as coisas importantes que tenho para fazer e todas as outras que arrumo para me distrair não preenchem esse tempo - últimas aulas para dar, provas para corrigir, leituras para o doutorado, ser leitora de um amigo, rever algumas pessoas queridas, passar a roupa, fazer almoço, lavar a louça, limpar e arrumar o quarto, o treino e a aula de alongamento na academia, a cada dois dias colocar dois livros da pilha de livros que comprei em sebos, desde que comecei a comprar livros, em sacos plásticos com bicarbonato por dois dias e depois limpar as suas capas... nada disso preenche tão bem as vinte e quatro horas de cada um dos dias que antecedem o trinta e um de julho, quando uma resposta que aguardo será divulgada. Então, no meio disso tudo coube a novela dita "das oito", que começava por volta das nove da noite. 
Apesar do meu foco ser aquilo que era identificado como feminino na novela, quem começou a me chamar a atenção foi o personagem Laerte (Gabriel Braga Nunes, ator acusado de agredir uma travesti em 2007 -http://ego.globo.com/Gente/Noticias/0,,MUL320047-9798,00-GABRIEL+BRAGA+NUNES+E+ACUSADO+DE+AGREDIR+TRAVESTI+ENVOLVIDO+NO+CASO+ROMULO+.html) que, quando jovem, enterrara vivo Virgílio (Humberto Martins), seu amigo (oi?), após uma briga por causa de Helena (Julia Lemmertz), a Leninha, quem os dois diziam que amava. Em determinado momento da novela - uns capítulos antes de eu começar a acompanhar - Laerte ressurge como o flautista galã que arrasa corações, o que me fazia a todo momento comentar com a minha mãe que seria bastante grave se fosse esquecido ao longo da novela que Laerte enterrou o coleguinha vivo e ele passasse a ser visto como o moço adorável. Acho que comecei a assistir Em família para ver o que o horário nobre da Globo queria nos mostrar, afinal, agredir um dia e virar galã no outro é o que a gente vê por aí, né, dentro e fora das telas. Depois do Laerte, outro susto, este maior, decisivo para que eu decidisse acompanhar a novela: a tia mais nova da Leninha, Juliana (Vanessa Gerbelli) não consegue engravidar e para tornar-se mãe tem ideias (e dá ideias às telespectadoras) bastante arriscadas, como torcer para que Gorete (Carol Macedo), sua empregada, não resista ao acidente que sofreu para que a filha dela, Bia (Bruna Farias), torne-se sua filha. Ou ainda, depois que a Gorete morre, Juliana seduz Jairo (Marcello Melo Jr.), marido da falecida Gorete, para que ele se case com ela, para que ela possa ter a Bia como filha. Só que a Juliana e o Jairo mal se conhecem, ela coloca um estranho em sua casa e oferece a si mesma a ele para realizar o tal do "sonho de ser mãe". Ora, e a adoção, a "barriga de aluguel"... ? Nada disso sequer é considerado e essas ideias ridículas da Juliana são levadas adiante e aceitas na novela quase com naturalidade. Eis o problema dois em Juliana & Jairo: Jairo é um machista daqueles que exige 24 horas de disponibilidade da mulher na cama só por que ele quer, mas o Jairo também é aquele personagem que as novelas da Globo chamam de "cara da comunidade", sabe? O Jairo é de uma classe social mais baixa do que a Juliana, ele mora em um bairro afastado, pouco asfaltado, e aí a coisa toda dá um nó, ele vem de outro meio e ele é um babaca... então fica a pergunta: por que o babaca machista tem que ser o tal do "cara da comunidade"? Por outro lado, a Juliana, moça de família rica que não trabalha, quer mudar o Jairo... ela não gosta do jeito que ele age, mas ela não percebe que eles não tem nada em comum a ser vivido, e ela segue com aquela ideia de primeiro escolher o cara e depois moldá-lo, na vestimenta, no comportamento e (pasmem!) na alimentação. Essas diferenças fazem alguns dos altos, beeem altos, e baixos, beeem baixos da novela, até que no final a gente entende que eles continuarão vivendo assim para sempre, agora junto com Nando (Leonardo Medeiros), ex-marido da Juliana e verdadeiro pai da Bia (todo aquele trabalho da Juliana em seduzir o Jairo para ganhar a Bia... é, foi em vão), "rival" do Jairo em disputas de afirmação de masculinidade, onde vale até disputar quem conseguiu engravidar a Juliana do filho que ela "segurou" (Jairo) e quem não conseguiu (Nando).
Deixo a Juliana de lado e volto à Leninha para fazer apenas um comentário, já que não tenho a intenção de contar a novela inteira, mas de chamar a atenção para aquilo que me fez pensar no que havia de perigoso, mas também no que havia de mudança positiva, em uma novela com personagens femininas tão complexas. Mas então... a Leninha, de quem não tenho muito o que falar, em determinado momento de nervoso, ao ser contida pelo Virgílio, seu marido, diz que toda mulher gosta ou quer ou precisa (não me lembro qual dos três) ser contida. Ouvir uma vez essa frase já me deixou nervosa, imaginem ouvir duas! - em outro capítulo ela aparece lembrando da cena. Por que seria bom para uma mulher ser contida, ser mais contida do que toda a sociedade já a contém? Aliás, contida é a filha da Leninha, Luiza (Bruna Marquezine), pelo seu namorado, grande amor, super galã, ex-namorado da mãe dela que enterrou o pai dela vivo, quem, quem, quem... Laerte. Ele passa a novela toda fazendo juras de amor loucas (propõe um pacto de sangue, enche a casa dela de flores após uma briga) enquanto não permite que a menina frequente festas da faculdade, a incentiva a deixar os estudos, tem ciúmes dela quando ela conversa com outros homens e a trata com autoridade, como se fosse dono dela. Luiza é a mulher maior de idade mais nova da novela mas é a mais cerceada, o que me fez pensar que isso pode ser um alerta positivo, dependendo de como encarado, para a geração atual de que essas meninas não estão imunes ao machismo e a tornarem-se presas de namorados dominadores que se desculpam com o famoso "eu te amo". 
A melhor amiga da Luiza é Alice (Érika Januza), a personagem em que vi mais força e indignação. Alice é negra e filha de Neidinha (Elina de Souza). Neidinha engravidou de Alice em um estupro, e ao descobrir isso, Alice persegue a história de sua mãe em busca do estuprador da mãe, primeiramente aparentemente com alguma curiosidade em saber quem seria o que a sociedade chamaria seu "pai", mas depois em busca de vingança. Neidinha carrega um trauma pesado, o que serve para mostrar que um estupro não é algo simples de se lidar, mas a novela escorrega quando a personagem está em uma conversa na qual a mensagem passada é que uma criança não deveria pagar pelo estupro, por isso ela não abortou e seguiu com a gravidez, o que descarta qualquer discussão sobre aborto com a sociedade na novela. O horário nobre da Globo bate o martelo encerrando a conversa sobre o aborto, quando um outro ponto de vista poderia confrontar o da inocência da criança, o da inocência da mãe, que também não deveria pagar pelo estupro, levando adiante uma gravidez indesejada. Por outro lado, voltando à Alice, na sua busca por justiça, ela se aproxima de uma ONG que combate a violência contra mulheres, torna-se policial e dispensa o namorado que não a apoia na nova carreira. Ela é corajosa, chegando a colocar-se como isca para capturar um estuprador, atitude que considero bastante arriscada, e tema arriscado também, pois ela se coloca como isca de maneira desprevenida e até um pouco ingênua no começo, chegando a sofrer uma tentativa de ataque, o que pode gerar aquele famoso "bem feito, quem mandou se arriscar?", que mina várias discussões sobre estupro há muito tempo. Mas ainda assim eu gostei de ver uma personagem como Alice: mulher, negra (com cabelos cacheados ao alto, detalhe que admirei na novela - não alisaram os cabelos das mulheres negras!!!), corajosa, inteligente e independente. Pena que no final ela se casa de repente com um colega de trabalho fofo, não que ela não possa se casar, mas fiquei com a impressão de que imperou aquele discurso que diz que apesar de ser livre e independente, toda mulher busca o tal do príncipe encantado. 
O casamento de Alice - que ocorreu junto com o da mãe - foi celebrado por uma mulher, a segunda mulher a celebrar um casamento em Em família. A primeira mulher a unir um casal uniu outras duas mulheres, Clara (Giovanna Antonelli) e Marina (Tainá Müller). Sim, mulheres se amaram e se casaram em uma novela, e não houve explosão em shopping center!!! Clara e Marina também me empolgaram a ver a novela até o fim e confesso que até mais ou menos a metade eu estava muito pessimista, achando que não haveria nenhum avanço no tema. Mas fiquei surpresa. Ok, os poucos beijos entre as duas (acho que foram dois) eram quase fraternais e a vida sexual delas foi ignorada. Por um lado, houve uma coisa boa, não teve "rufem os tambores que hoje tem beijo/transa entre duas mulheres!", como já houve em novelas em que havia personagens gays; por outro lado, vimos beijos e mais beijos, transas e mais transas, de todo casal da novela, todos heterossexuais, e entre elas, tudo foi discreto, ou seja, isso destoa, e sabemos o motivo. Mas tem mais! No início da novela a Marina era uma personagem mega mimada, chata e insistente que cercava a Clara como vários carinhas que não entendem um "não", além disso a Marina era colocada em cenas com as amigas, também lésbicas, que pareciam exalar sensualidade, o que era bem forçado. Enquanto Clara começava a amar e desejar uma mulher pela primeira vez, tendo que decidir se ia atrás do que sentia, ou se ficava em seu casamento tido como ideal com Cadu (Reynaldo Gianecchini), que acabara de passar por um transplante de coração. A essa altura eu me irritava com a novela e imaginava que o pior rumo seria tomado, mas não! De repente, já nas últimas semanas, a Clara já tinha se separado, considerava morar com Marina, a família aceitou, o ex-marido aceitou, o filho aceitou com naturalidade, os personagens da novela faziam comentários positivos sobre Clara e Marina juntas, cenas de homofobia foram mostradas com repúdio e elas se casaram! E fora da novela, Giovanna Antonelli foi a estrela da publicidade, de joias a esmalte, a personagem mulher que se apaixona por outra mulher foi escolhida para ditar a moda e foi aceita, a foto dela está ali ainda, no vagão do metrô e na perfumaria - não que eu goste desse universo da publicidade, mas ele existe e influencia muita gente. Tá, há mundos muito mais justos e bonitos do que esse de novela-de-horário-nobre-da-Globo-mimimi, onde essas coisas acontecem porque podem acontecer e não como um favor, mas é justamente por esse não ser dos mundos mais justos e bonitos que eu não esperava tudo isso acontecendo, e aconteceu, o que não podemos negar que funcione com alguma contribuição, afinal muitas pessoas enxergam o mundo por meio do que "na novela pode", "na lei pode" - é lamentável mas isso existe. 
Mas apesar de Clara e Marina terem paz e um final feliz, Cadu foi disputado por duas mulheres, Verônica (Helena Ranaldi), com quem ele fica no final, e Silvia (Bianca Rinaldi), o que me parece um lembrete de que a Clara estava dispensando ninguém mais, ninguém menos, do que o Gianecchini, aquele que nos enfiam na tv como "o galã". A Silvia, a que não fica com Cadu, fica com seu amigo Felipe (Thiago Mendonça) que implorou o amor da moça durante toda a novela, e aí vem outro problema grave, algo que me incomodou demais. Silvia resiste a Felipe, ou realmente o enxerga somente como amigo, durante a novela toda, mas ela transa com ele quando está muito bêbada (bebedeira que ela procura depois de ver Verônica e Cadu se beijando) e ele está sóbrio, verdadeiramente e incrivelmente sóbrio, depois de passar por uma reabilitação, ele nem tenta resistir à situação e tira proveito disso, e acorda ao lado dela com cara de bobo apaixonado. Felipe transa com Silvia alcoolizada (ponto final). E tá tudo bem pra Globo. No máximo ela acorda assustada de manhã ao lado dele nua e dá aquela bronquinha nele que a gente dá em quem só fez uma brincadeirinha sem graça com a gente. Ora, isso é sério! Esse talvez tenha sido o maior passo para trás de Em família, muito bem camuflado pelo fato de Felipe ser o menino sonhador e apaixonado pela moça da qual ele se aproveita e pelo fato de ela já estar começando a vê-lo como mais do que um amigo. Mas muito curioso a cena ser protagonizada por um ex-alcoólatra. Felipe insiste ao longo da novela no mal que o álcool lhe faz, ele é humilhado e chega a ser proibido temporariamente de exercer a sua profissão - ele é médico - por causa de um erro cometido por ele em um paciente quando  estava alcoolizado. Como Felipe, que fez coisas que não desejava, foi humilhado por sua condição de alcoólatra mas que recuperou o respeito de todos, foi acolhido no AA, negou a vida em dependência do álcool quando buscou a reabilitação, passa por cima da vontade de Silvia, aquela que ele diz que é o grande amor da sua vida, quando ela estava alcoolizada? Fiquei chocada e nenhuma explicação ou debate surgiu após a cena.
Outro grande deslize foi com as empregadas, Gorete, Guiomar (Jéssika Alves), Rosa (Tânia Toko) e Zu (Gisele Alves). Ainda persiste a ideia de uma família adotar uma empregada doméstica que dorme, ou melhor, vive, no local de trabalho, por muitos anos, e que não tem a própria vida, nem a própria história, mas que é parte da família, como se isso fosse um grande carinho que elas recebem.  
Enquanto isso, outro dia vi na banca de jornal a Tainá Müller, a Marina, em uma pose sensual na capa da revista VIP com aquelas frases que oferecem aos homens o corpo e a beleza da moça, e há pouco, nas minhas pesquisas no Google dos nomes das atrizes e dos atores que interpretaram personagens que citei aqui, fiquei sabendo que Jéssika Alves, a Gorete, será capa da revista masculina Playboy. Parece que lá fora o mundo segue como antes, que o corpo das mulheres como objeto de desejo ainda é oferecido, mas ainda assim persisti em me lembrar de tudo o que eu queria comentar e chegar até o fim desse texto. Não comecei a assistir a nova novela porque logo o segundo semestre começa e a minha ansiedade vai baixar, além da correria que vai ressurgir, mas desejo que pelo menos algum debate ela suscite e que olhares críticos a mirem de vez em quando. Ah, não disse no começo, mas eu não tenho hábito de ver novela, novela é algo que não me prende a atenção, por isso até o final de Em família não parei de me perguntar pelo motivo que me fazia correr para a frente da tv fazendo previsões, debates e comentários com a minha mãe, com uma sede curiosa pelo que viria. São alguns dos pontos que apontei aqui que explicam esse período que vivi.


P.s.1: O post que nunca termina! Bárbara (Polliana Aleixo) foge do padrão magrela ou gostosa ditado pela tv e não é ridicularizada (mas pena que ela emagrece um pouco depois) e além disso, ela espera o tanto que ela quer para ter a sua primeira transa. Ah, mas o mesmo Google que me deu o nome da atriz me deu também a informação de que a revista Playboy está rodeando a moça.
P.s.2: Não paro de lembrar. Ninguém cansou ainda de personagens como Branca (Angela Vieira) e Shirley (Vivianne Pasmanter), que vivem em função de se vingar ou de reconquistar um homem e destruir todas as mulheres que se aproximam dele? As atrizes são ótimas, pra que colocá-las em personagens que vivem pelas glórias do amado e alimentam a rivalidade entre mulheres?
P.s.3: O final! No final da novela Laerte é assassinado na porta da igreja após o seu casamento com Luiza. Quem dispara o tiro é Lívia (Louise D'Tuani), uma das cinco mulheres que já se apaixonaram por Laerte. Como água parada, não há grandes movimentos da personagem na novela, no final é ela quem causa o estrago maior. Considerando que as novelas matam aqueles que merecem condenação, parece que o que Laerte fez, incluindo a posse doentia que ele pretendia ter de Luiza, foi repudiado de alguma forma. Contudo, a atiradora é simplesmente levada pela polícia e desaparece da novela, como "a assassina" ou até mesmo "a louca ciumenta", quando poderia ter sido explorado o que leva Lívia a assassinar Laerte depois de escutá-lo dizer a Verônica que só estava enrolando a moça, após Verônica contar que Lívia estava completamente apaixonada por ele e por isso terminara um namoro de dois anos.
P.s.4: Se eu lembrar de algo a acrescentar, escreverei aqui. 

sexta-feira, 11 de julho de 2014

um zine talvez como os que eu fazia e que talvez eu nunca mais consiga fazer

Há muito tempo não faço zines. Há muito tempo não tenho boas ideias para um zine. Há muito tempo não me vejo fazendo zines. Há muito tempo me empolgo com ideias quase incríveis que ficam apagadas e abandonadas neste blog. Há muito tempo não vejo um zine que me empolga... mas hoje vejo este, parecido com os que já fiz um dia e fiquei lendo, relendo, reelaborando e celebrando, com olhos brilhando, antes mesmo de sair mostrando para todo mundo; há muito tempo não penso que talvez um dia eu volte a fazer um zine como este. Ainda bem que há quem o faça, aqui: zine Ainda Não, de Carla Duarte 

sábado, 5 de julho de 2014

sonho

manhã de cinco de julho de dois mil e quatorze


Sonhei que me sentava ao seu lado, que de repente não vestíamos nada da cintura para cima e que você me abraçava, enquanto isso, uma criança nos olhava. Não havia contexto sexual no ato, mas havia na mente de quem eu era no sonho ou, há na minha mente, que foi quem sonhou. A criança que nos olhava parecia me inibir, talvez fosse um dos seus futuros filhos, dos quais eu espero não ser madrinha pois não lido tão bem com crianças e penso que isso não vai mudar tão cedo, nem tão facilmente. Acordei assustada, voltando a pensar em como pode ser bom calçar um sapato de número menor ao invés de calçar aquele tamanho 30 e pouco cinza platinado que tanto procurei, mas agora é tarde. Voltei a pensar em como este blog é uma ilusão de que sou anônima, já que quem me lê conhece muito bem todas as minhas palavras e para manter outrem também anônimo em um post como este é preciso velar muitas palavras, também para calar a minha velha vontade de dizer tudo diretamente e honestamente sobre os meus desejos, pequenas paixões e intenções românticas, que quando realizada, já criou situações sem saída, de pena, embaraçosas e até mesmo imaginárias. Prometo a mim mesma todos os dias não me declarar sem que nada tenha sido construído, não declarar a vontade de um beijo, um "eu gosto um pouco mais de você", nem qualquer outra atração, para não impedir que tudo isso seja construído além de mim, de uma forma ou de outra, como alguma verdade. Por isso, não conto com quem sonhei, nem me declaro a quem estava no sonho.

recorte de reflexão

Reviver.
Recordar.
Recortar.
Remar.
A
F
U
N
D
A
R
.

sem título

Túnel do tempo
no espelho.
Espero
respostas de outro
tempo, dos anos,
NO REFLEXO
Escuto, enxergo.
Encontro azar,
Há sete anos. 

clichê

Vi na
t.v. que
minha vida
pouco vale.
Reinvento.

Leio no momento:

A era dos extremos (Eric Hobsbawm) - pelos próximos anos, nem que seja uma página por dia.
O que eu amava (Siri Hustvedt) - indicação preciosa que me encanta no momento.

E as primeiras leituras como lição de casa de início de doutorado:
Os Mandarins (Simone de Beauvoir)
A mulher desiludida (Simone de Beauvoir)

Próximo da fila:
Quando o espiritual domina (Simone de Beauvoir)

Recorte

Olho para o rosto no espelho e tenho vontade de traçar uma linha para constatar as diferenças entre o lado esquerdo e o lado direito. Mas por que deveriam ser iguais se fico mais à esquerda, escuto música torta, leio livro que tem capítulos fora de ordem, meu cabelo liso e reto me irrita diariamente e tenho uma perna mais curta do que a outra?

Da inautenticidade dos meus casos de amor

só acontecia em mim.
só eu vi.

assombração

1. medo de bichos que voam ou rastejam
2. medo de que o teto caia,
ou 2.2 de que o chão se rompa.

ainda noite de quatro de julho de dois mil e quatorze

A medida de todas as coisas não está no livro que me encanta no momento, nem na novela que analiso, que tanto diz sobre mim por meio e por trás de clichês. Mas ambos me tocam, o livro me move, a novela me torna imóvel em um passado presente inalcançável e intocável. Escondi as lágrimas na redação que eu corrigia no momento em que uma cena tola me trouxe a origem de um dos meus maiores dilemas, da minha escolha por um começo difícil, tortuoso, com alguma violência embutida. Cada vez é uma vez e uma vez não determina as outras vezes, eu acredito, mas ainda assim, começar mal o que não se sabe pode ser um pouco complicado, para não dizer traumático.

noite de quatro de julho de dois mil e quatorze

Você vive algo aos 21 que você torna mágico, aos seus olhos, passando por cima ou fingindo não ver os aspectos negativos. Depois de um tempo você não consegue mais fazer aquilo e não sabe o motivo, procura uma ruptura, um acontecimento que a tenha feito chegar ao atual estado mas não há nada, só um bloqueio que se prolonga até que, de tanto contar a si mesma e aos outros o que se passou, você encontra respostas e enxerga tudo com outros olhos, inclusive o encanto à violência que pode ter ocorrido. Você inventa respostas, ou consegue finalmente responder as suas perguntas?

quarta-feira, 25 de junho de 2014

Do descobrir que uma música chamada "Phone sex" tem uma letra tão bonita...

Phone sex - Superchunk

Rosy cheeks and rolling eyes
On a steamy Sunday night
They had a date for phone sex
Oh but the princess' phone has been quiet

Writes his name on the bathroom mirror 
While she waits in soapy streaks
Probably stuck to his couch back east
Depressed

But you know he's safe at least
Plane crash footage on TV
I know, I know that could be me
Plane crash footage on TV

Oh yeah, I know that could be me
Keep your nose down
I think there's ice on our wings
Another Sunday night

Well it's still dusk
It's still light
Phone starts ringing and she's almost dry
Well there'll be other nights

But admit this is the worst time
And what ever made you think I had control?
Let's scare everybody, let's just roll our own
Plane crash footage on TV

I know, I know that could be me
Keep your nose down either way
Don't you ever feel you just survive some days?
Keep your nose down

I think there's ice on our wings, yeah
And if you go now
Keep the ice off your wings
Keep your nose down and the ice off your wings

And the ice off your wings
Keep your nose down
And the ice off your wings
And the ice off your wings

Keep your nose down 
And the ice off your wings
There will be no Sunday nights
Let's just roll our own

quarta-feira, 4 de junho de 2014

Na delicadeza do caos

quase uma resenha do show do Yo la tengo de 03.06.2014 no Cine Joia

Não escondo a minha dificuldade em classificar e categorizar qualquer coisa, até mesmo e principalmente as que me fazem sorrir. "Como é esta banda?", "Que som fazem?", "Com quem se parecem?" são perguntas que soam quase como ameaça para mim; talvez isso tenha explicação, talvez seja decorrente da época em que certo alguém por quem eu estava encantada me deixava (ou que eu deixava que me deixasse) do tamanho de uma ervilha quando falava sobre música, para ele eu era a referência de ignorância, se eu conhecia uma banda, então qualquer outra pessoa deveria conhecer, "Até ela conhece! Como você não conhece?", apontando para mim, ele dizia à pessoa que não sabia do que ele estava falando. Talvez isso não devesse me atingir de tal forma, afinal, saber tudo de música era (e é) o trabalho dele, e o meu negócio sempre foi outro, talvez era a nossa relação que me deixava do tamanho de uma ervilha, não a minha ignorância musical. Tal ignorância permanece até hoje, já tentei aprender a tocar instrumentos, li tantas resenhas de álbuns, convivi e convivo com tanta gente que explica o que escutamos... e nada. Eu não compreendo música, eu sinto, e de alguma forma isso me basta e preenche com muita alegria grande parte da minha existência. Algumas bandas do meu coração até se organizam no meu cérebro de forma harmoniosa, sei os nomes das pessoas e o que elas tocam na banda, sei os nomes das minhas músicas preferidas e sei localizar essas - e outras! - músicas em seus respectivos álbuns, esse não é o caso do Yo la tengo, banda que de alguma forma me arrebata e que ao mesmo tempo me dá um nó no cérebro. Mas esse papo de "pobre de mim, eu não sei falar bonito sobre música" deve cansar qualquer leitor(a), então indo direto ao assunto, que pode ser colocado em menos palavras do que a introdução que fiz ao mesmo, Yo la tengo é uma banda linda, "Yo la tengo é lindo" foi a frase que enviei para algumas pessoas hoje de manhã. Ontem fui ao show  (há um belo trecho do show aqui: https://www.youtube.com/watch?v=Ujbc4wDLeuY dessa banda norte-americana que existe desde algum momento da década de 1980 mas que eu conheço há apenas dez anos e nesses dez anos foi uma lenta apreensão do som feito pelo trio. Foi devagar que a música de Ira Kaplan, Georgia Hubley e James McNew me conquistou, mas o mais interessante é que nessa lenta aproximação nunca deixei o Yo la tengo de lado, algo me fazia ficar com as canções à mão, por perto, até que quando eu soube da vinda do trio para o Brasil, não tive dúvida que eu iria ao show e que, sem saber o motivo, seria incrível. Eu já ouvira repetidas vezes a fofíssima "Sugarcube" e "From a motel 6", e tinha como preferida "We're an American band", era tudo que eu podia dizer do Yo la tengo quando decidi que veria a banda ao vivo, depois descobri a incrível "Tom Courteney", entre outras músicas que ainda não se organizam e mal são identificadas na minha vida, mas que já fazem nela uma tremenda diferença. Deixando de lado a minha habilidade (ou falta de) em guardar nomes de músicas e identificá-las, ontem foi lindo, como já disse. Não compreendo como ali havia gente conversando enquanto eu tentava me entregar a sentir o caos  e a delicadeza daquela apresentação. Eram movimentos suaves capazes de provocar os ruídos mais altos e intensos, barulho suficiente para preencher uma sala com pensamentos confusos. Peso e leveza se enfrentavam e se abraçavam. Palavras bonitas eram sussurradas sob um barulho que parecia indicar que algo desabava em algum lugar exterior ao sussurro, ou lá dentro de quem sussurrava. Houve momentos em que fechei os olhos, momentos em que dancei, momentos em que balancei a cabeça, momentos em que não percebi o tempo passar (milagre!), momentos em que desejei que as pessoas calassem a boca e compreendessem que silêncio também faz parte da música. Hipnotizante, arrebatador, gracioso. Entre ruídos e distorções mais uma vez encontrei o meu calmante. Só sei explicar música desse jeito. 

segunda-feira, 21 de abril de 2014

leve as suas orelhas para sorrir e dançar

flyer: Selene Alge


feriado

quatro dias presa numa bolha onde penso em Inglês quase o tempo todo com uma caneta vermelha na mão e quando penso em Português, penso que queria estar bem longe e um pouco sozinha, preciso transformar vinte páginas sobre o problema de sempre de todas as mulheres do mundo em dez, depois dezesseis em dez, carregando pedras nos seios e na cabeça, ouvindo que sou linda de quem quer me esganar e não o faz em nome dos laços sociais, e amarrada a uma corda que me permite caminhar por 20 minutos em linha reta para sorrir um pouco enquanto passo a mão em alguns bichanos coloridos, vários, de todas as cores - fofura!

Os meus ouvidos e o meu corpo inchados: zumbidos e picadas das abelhas rainhas que me prensam e me pressionam

Frases de ordem e de repressão veladas pelo clichê "Eu te amo", memórias que me sufocam a cada dia desde sempre.


Os zumbidos e as picadas:

Quando você crescer vai precisar de anestesia para tirar a sobrancelha. (Eu te amo) Alta desse jeito, você deveria ser modelo. (Eu te amo) Loira? Vai estragar o cabelo, o cabelo vai nascer ruim (sic) depois. (Eu te amo)  (Racista!) E agora tem mania de vestir roupa preta... (Eu te amo) Estampa de oncinha? Onde você pensa que vai? Conta a verdade, você se veste assim para chamar a atenção, né? (Eu te amo) Esse seu corte de cabelo parece corte de cabelo de retardada (sic). (Eu te amo) Pra que chorar? Linda desse jeito, eu aproveitaria a vida. (Eu te amo) Linda desse jeito e ninguém quer namorar com você? (Eu te amo) Por que você corta o cabelo? Homem fica louco com cabelo comprido! (Eu te amo) Não quer ter filho? Você fala isso agora, porque ainda não conheceu alguém (sic) ! (Eu te amo) Aliás, com essa anca, dá pra parir muito! (Eu te amo) Você só veste roupa preta e all star! (Eu te amo) Vai menina, abraça direito! Desde pequena não sabe abraçar, vou te emprestar o meu livro sobre a terapia do abraço (sic). (Eu te amo) E esse rock horroroso, isso não tá no seu sangue, desliga isso! (Eu te amo) Essas bandas de meninas gritando, logo vai trazer uma namorada, ao invés de um namorado. (Eu te amo) (Homofóbicx!) Feminista... isso logo passa, é fase. (Eu te amo) Ela dá muito mais importância para as coisas ruins do que para as coisas boas. (Eu te amo) "Complicada e perfeitinha", esquisita essa menina! (Eu te amo) Mãe, você precisa ver as fotos dos amigos dela da faculdade (Filosofia, tsc...)... quem é aquela gente com quem ela anda? (Eu te amo) Seu próximo aniversário vai ser comemorado na faculdade, né? (Eu te amo) Aquela x fez a sua cabeça! Você tá diferente! (Eu te amo) Esse cara tá se aproveitando de você. Certeza! (Eu te amo) Quando você tiver dinheiro, igual a x, compra um bom presente pra sua mãe como esse livro que eu ganhei, é o que ela precisa! (Eu te amo) Você e seu pai não dão alegrias para a sua mãe. (Eu te amo) Não acredito que você não vai usar salto no casamento, tem que usar, é assim! (Eu te amo) Seu pai é obrigado a te buscar, a te dar um carro, a pagar a sua faculdade, a sustentar você e a sua mãe. (Eu te amo) A sua mãe é uma coitada. (Eu te amo) "Primeira vez" tem que ter champagne, quando você tiver idade vai acontecer, depois você vem me contar como foi. (Eu te amo) Como não acredita em Jesus? No fundo você acredita, EU sei. (Eu te amo) Aborto? Isso não tá certo! (Eu te amo) Você é linda, e agora mestra, parabéns pelo seu esforço, mas isso aí é tudo teoria, você não viveu o tanto que eu vivi. (Eu te amo) Eu te amo e quero que você esteja comigo nesse momento especial, que música você gosta mesmo? (Eu te amo) Vamos conversar, mas com todo mundo junto com a gente! Isso aqui é união! (Eu te amo) Até que enfim entrou na faculdade, espera só pelo nosso trote. (Eu te amo) Até parece que tem problema de estômago, fala que tá enjoada toda hora mas do jeito que come... não parece. Se eu estivesse enjoada, não comeria tantos doces. Deve ficar enjoada por causa do pai, ele não deixa ela fazer nada. (Eu te amo) Deve ter sofrido muito com aquele francês, nem comenta nada sobre o fim do namoro. (Eu te amo) Você deveria estudar fora, igual ao x. (Eu te amo) Você deveria ser mais amorosa igual à y. (Eu te amo) Você quer ser feminista só pra não lavar a louça e não ajudar em casa. (Eu te amo) Você tá saindo com um francês? Ele toma banho? Toma? Como você sabe que ele toma banho? (Eu te amo) O que você e aquele cara, o que ele é mesmo... professor de Geografia, né, fazem quando estão sozinhos? (Eu te amo) Não quer casar... se ele te pedisse em casamento, você aceitaria. (Eu te amo) Seu cabelo é lindo porque é liso (sic) (Racista!), é uma judiação ficar cortando e tingindo. (Eu te amo) Você é muito branca, parece um palmito! (Eu te amo) É com esse moço que você tem que namorar, ele é de família! ... Não, com esse, esse vai à igreja! (Eu te amo) Você não quer namorar com esse moço bom por que vocês não tem a mesma visão política? O que é que tem? Eu sei lá qual é a visão política do meu marido... Aliás, não é melhor deixar esse estudo sobre a mulher de lado e continuar vivendo (Eu te amo) Você deveria ir à festa, vai estar cheia de homens bonitos, quem sabe você arruma um namorado...? (Eu te amo) Você deveria ir à festa, vai estar cheia de gays e você gosta de gente assim (sic), não é? (Eu te amo) Você tem dedo podre com homens. (Eu te amo) Você tem ciúmes delas. Nós amamos você também. Veeem aquiiiiii!!!! (Eu te amo) Você tem mágoa delas. (Eu te amo) Nossa, como você está bem vestida hoje! Agora se veste como professora! (Eu te amo) Que corpo você tem, hein? Que bunda! (Eu te amo) Você emagreceu. (Eu te amo) Você engordou. (Eu te amo) Mas você gosta mesmo de rock(Eu te amo) Se você não se casar, vai se arrepender como eu me arrependi! Escuta o que tô te falando! (Eu te amo) Seus dentes ficaram lindos! Nossa, esse aparelho fica cheio de saliva, dá pra ver daqui, deve ser horrível usar isso. Você sai assim na rua? (Eu te amo) Você tem que fazer cursinho pra entrar na USP também. Cursinho não é caro, estudando em casa você vai dar o mesmo gasto com água, luz e comida! (Eu te amo) Você guarda dinheiro? Tem que guardar igual à y!!! (Eu te amo) Tá ficando igual ao pai. Credo! (Eu te amo) É sua obrigação nos aguentar! (Eu te amo) Na sua casa escondem toda comida, não oferecem nada para as visitas. (Eu te amo) Você é lerda. (Eu te amo) Você é lenta. (Eu te amo) Você é mole. (Eu te amo) Por que não tira esses óculos e passa a usar lentes? (Eu te amo) Eu nunca quis saber nada da sua vida. (Eu te amo) Confia-em-mim-(Eu te amo)-Eu-só-quero-o-seu-bem-(Eu te amo) -Aqui-ninguém-nunca-vai-te-trair-mas-os-seus-amigos-vão-(Eu te amo)-Você-não-gosta-de-nós,-né?-(Eu te amo) -Você-não-gosta-de-mim!-(Eu te amo) -Não-sei-por-que-não-confia-em-nós-(Eu te amo) -Mudou-tanto-(Eu te amo) -Anda,-menina,-diz-"Eu te amo"-de-volta!(Eu te amo) (NÃO!)


Em algum momento de Carta ao pai, Franz Kafka diz: "O amor muitas vezes tem o rosto da violência." Eu não discordo. 

sexta-feira, 28 de março de 2014

A minha melhor amiga dos anos 90

Eu já tive uma melhor amiga, mais de uma vez. Hoje não tenho melhor amiga, nem melhor amigo, tenho uma família composta por alguns amigos e algumas amigas. A minha primeira irmã foi a minha melhor amiga da década de 1990, conquistada por minha mãe, não por mim... "A sua filha pode brincar com a minha?" ... "A sua neta pode brincar com a minha filha?" ... "Quer conhecer a minha filha?" As minhas primeiras amizades foram conquistadas assim e não sei se alguma delas durou até hoje (apenas uma, eu acho), para mim não é possível ter os seus amigos escolhidos por outras pessoas, assim como não é possível ter uma família que você não escolheu. Mas acontece que essa amiga tornou-se a minha melhor amiga, talvez a minha mãe, por acaso, naquele dia fez a escolha certa. 
A minha melhor amiga era três anos mais nova do que eu, era confundida com a minha irmã mais nova que nunca existiu, e eu era confundida com a irmã mais velha dela que também nunca existiu. Eu me sentia muito feliz quando pensavam que éramos irmãs e chegava a ficar triste por não termos nascido irmãs, a considerava irmã mas não valorizava o nosso laço, como se essa vontade de que fôssemos irmãs me acomodasse em uma situação em que sendo sua irmã e sua melhor amiga, teria alguma garantia de que nada nos separaria e de que tudo o que eu fizesse ela perdoaria. Naquela época para mim bastava deixar um recado em uma carta ou em uma página de sua agenda com os dizeres "Você é +QD+. Te adoro!", ou qualquer coisa com "para sempre", que o nosso destino estaria selado, como hoje muitos casais e parentes fazem com o tal do "eu te amo". A gente simplesmente se entendia no geral, obedecia algumas regras parecidas em nossas casas e gostava das mesmas brincadeiras. Essa amizade durou um bocado e era muito importante para mim, acredito que, naquela época, para ela também, durou até a nossa adolescência, primeiro a minha e depois a dela, mas durou com muitos hiatos com os quais eu nunca soube lidar. Eu desconhecia a possibilidade de discordar dela, de dizer "não" ou de bater boca com ela, no meu mundo ideal essas coisas não aconteciam entre melhores amigas, mas ainda assim eu me incomodava com algumas coisas dela, eu sentia ciúmes dela, às vezes queria ficar sozinha, queria dizer pra ela que eu não gostava de algumas coisas que hoje nem lembro quais eram... mas ao invés disso eu escrevia uma carta arrogante ou me comportava de maneira estranha com ela... achava que era por meio de um desses códigos que eu sinalizaria pra ela que algo estava errado entre a gente, e daí surgiam os hiatos. A relação era retomada pelo meu arrependimento seguido de uma mediação, que poderia ser feita pela minha mãe de novo ou por uma vizinha querida que gosta da gente até hoje, que me aproximava dela para eu pedir desculpas e bruscamente virar a página. De todos os motivos para um hiato só me lembro do último mas arrisco dizer que todos eles foram causados por mim. 
Nós crescemos e esse vício maldito de não discutir a relação só cresceu com a gente. Há nove anos, no meu último ano da adolescência ou em um dos meus primeiros anos da "juventude", eu deixei de me identificar com o estilo de vida dela, ou com as opiniões dela, eu deixei de me identificar com algo dela que até hoje não sei nomear. Eu não gostava da maioria dos amigos dela e achava que ela se divertia muito mais com eles do que comigo, eu não queria ir mais para os lugares que ela ia e estava entrando em um mundo diferente. Muita gente sempre me disse que em vários momentos a nossa diferença de idade pesaria em nossa relação, nos maus momentos eu concordava com esse ponto de vista, mas nos nossos bons momentos eu odiava esse tipo de comentário sobre a nossa amizade. Ora, por que eu não poderia continuar a tê-la como irmã mesmo não saindo mais com ela e não tendo as mesmas amizades? Por que eu nunca soube como dizer isso a ela? Para mim parecia mais fácil fingir que estava ocupada com o meu detestável emprego de operadora de telemarketing para pagar a faculdade e com o mundo maravilhoso do meu primeiro ano da graduação e ir me afastando aos poucos, foi assim que eu comecei a machucá-la pela última vez. Me lembro disso nos últimos anos e acredito que até agora consegui dizer a todas as minhas amigas e a todos os meus amigos da minha "família" tudo o que precisei dizer para manter e salvar as nossas relações quando passamos por algum momento complicado. Há nove anos eu consigo me importar, me colocar no lugar do outro, perguntar se há algo errado, pedir desculpas, discutir a relação e discordar. Nada disso me faz a melhor amiga do mundo, mas só mais uma pessoa como muitas outras que se comportam com o mínimo necessário para fazer e manter amizades, porém fazer essa lista é perceber que finalmente eu descobri qual era o nosso, o meu, problema. 
A morte do avô dela - uma pessoa pela qual eu não tinha nenhum afeto - marcou a destruição do que nos restava, eu não fiz nenhum movimento, permaneci onde estava achando que ela odiaria que eu, depois do meu afastamento, me aproximasse naquela hora, achava que eu pareceria falsa e que eu deveria ficar no meu novo lugar, mas parece que ela esperava que eu estivesse lá; depois de algum tempo fui capaz de entender que não se afasta de uma amizade importante para sempre e que na maioria das vezes vale a pena voltar. O que mais me marcou nessa época foi uma conversa pela internet - algo que depois passei a evitar o máximo em conflitos com amigas e amigos importantes - na qual ela disse que não adiantaria depois eu pedir para minha mãe ou os vizinhos irem falar com ela; garanti que não aconteceria, que naquele momento era "nunca mais". 
"Nunca mais", "com certeza" e "para sempre" são algumas das expressões que mais me incomodam hoje, talvez sejam as mais mentirosas e não sei por que as usaria. Nunca passou pela minha cabeça pedir à minha mãe ou à vizinha querida para me ajudar a reatar com ela, pelo contrário, minha mãe gosta muito dela e sempre peço à mãe que quando converse com ela separe as relações, a que elas mantiveram e a que eu tive um dia com ela. Nunca mandei recados, nunca pedi que levasse notícias específicas minhas e temo que essa minha vontade de escrever sobre tudo isso aqui pareça uma indireta para reatar a amizade, quando na verdade só surgiu mesmo uma vontade de escrever sobre isso depois de olhar para trás com muita calma, de repente entender o que aconteceu e refletir sore o que ficou. Vontade de reatar amizade eu tenho há algum tempo, fiz uma tentativa há uns cinco anos, mas ela negou, desconversou, aceitou... o que temos hoje é um cumprimento cordial e uma amizade em uma rede social. Não tenho vontade de que a gente volte a andar para cima e para baixo juntas, de ter a amizade que a gente tinha, há tantas irmãs que torcem uma pela outra e só saem juntas para colocar o papo em dia e tomar uma cerveja ou um café. Descobri isso com algumas amigas muito queridas que conheço há muito tempo, somos de círculos diferentes e não temos gostos em comum, não conseguimos fazer programas culturais juntas mas estamos sempre torcendo uma pela outra, compartilhamos coisas boas que nos acontecem e nos juntamos para comer, beber e conversar de tempos em tempos. É mais ou menos isso que eu gostaria de ter tido a oportunidade de propor a ela, de saber como ela anda, de apresentá-la a minha nova "família", de ter algum contato regular. Há quem diga que "não chegou a hora" mas que hora? Não acredito em destino, acredito no que vejo, nas escolhas que fazemos e nas suas consequências, não haverá "a hora" mas pode ser que haja ainda "uma hora", ou não.
Sigo olhando vez ou outra as notícias que a rede social me trazem dela, vida de rede social não é vida de verdade, mas neste caso é o que vale. Eu poderia terminar isso mandando algum recado a ela, fazendo algum pedido em público, expressando algum sentimento mas dessa vez, pela primeira vez, não se trata de uma indireta, nem de um meio de consertar o que fiz, nem de dar uma garantia de que sou outra e assim serei para sempre, não é mais uma carta, um e-mail, nem uma mensagem para ela, não sou eu me escondendo atrás de uma folha de papel ou de uma tela. São só as peças de um quebra-cabeça que comecei a montar quando criança e que hoje, perto dos 30, consigo encaixá-las com muito mais facilidade. Mas ainda assim, não sei como terminar a figura, assim como não sei onde encaixar o ponto final desta postagem.  

quarta-feira, 26 de março de 2014

anexo ao que chamei "Siri Hustvedt, eu e as nossas 'falhas de caráter' "

Coisa mais estranha é querer acrescentar algo a um post em outro post ... pensei tanto nisso, comentei que o faria e comentei que não o faria mas cá estou eu o fazendo:

Daquela lista...
Não consegui aprender aprender a nadar porque não conceber a possibilidade de ficar na posição horizontal na água e não afundar... sempre afundo, e se alguém me segura deitada na água sinto pânico. Nos primeiros dias de treino na academia de ginástica, atividade física que os médicos me recomendaram para eu gastar energia, aliviar ansiedade e tensão, eu sentia vontade de chorar, e às vezes chorava, levantando os pesos e esticando o corpo nas aulas de alongamento; não chorava de dor, mas pela sensação de estar tirando de mim algo muito pesado. Não consigo usar lápis de olho, fazer aquele risco preto nas pálpebras ou embaixo do olho (acho que é assim que fazem não), consigo menos ainda usar o tal do "curvex" que olho e sinto como se fosse uma tesoura ameaçando os meus olhos.

Essa lista com certeza não termina por aqui, nem daqui a sessenta anos.

quinze de março de dois mil e quatorze

Gosto de ler certos livros em ambientes diferentes. Tenho um livro de ônibus, um livro que não suscite as minhas dores da A.T.M., um livro leve de carregar e também leve de ler, pois as pessoas falam muito nos ônibus e no metrô. Falam com colegas de trabalho sobre clientes, falam por poucos centavos com alguém que se encontra por aí, em qualquer parte, pendurado em mais um, ou em um dos seus telefones celular. Meu último livro de ônibus foi O escolhido foi você da querida Miranda July, presente que ganhei de uma amiga mais querida ainda, tão criativa e talentosa quanto Miranda. O nome original do livro é It chooses you; se "O escolhido foi você" soa tão interessante,"It chooses you" é mais instigante ainda para mim, coisas que não temos em português, algo que nos escolha... It. Nessa tarde encontrei a amiga que me presenteou com esse livro. Sentar num café com alguém de quem você gosta tanto e compartilhar os seus sentimentos em relação a um livro é uma das coisas mais gostosas do mundo, assim como descobrir que choramos com as mesmas páginas e reforçar o nosso laço pelo mundo que algum livro nos propõe, ou encontrar esse nosso laço nele...
Na volta para casa involuntariamente me aproximo demais de uma moça com um livro na mão, meu lenço roça no livro dela quase tornando-se um obstáculo entre os seus olhos e as letras impressas no livro. Puxo o lenço e revelo o nome do autor no topo da página: Eduardo Galeano. Essa é uma das raras vezes em que encontro alguém no metrô lendo um livro que eu leria. Penso em colocar o livro que tenho do Eduardo Galeano na minha pilha de "próximos livros a serem lidos". A moça lê em espanhol; com a dança das cadeiras do metrô, descubro que ela lê As veias abertas da América Latina, o livro que tenho e que penso em colocar na lista dos próximos. Me dá vontade de perguntar a ela o que acha do livro, quem sabe com a resposta dela esse livro consegue o melhor lugar na minha fila de livros a serem lidos. Minha edição é de bolso, leve, será que é leve de ser assimilada e meio aos ruídos de tantos anseios pessoais no transporte público? Desisto de pensar na possibilidade de me comunicar com a moça e penso na possibilidade de prolongar o sorriso que esbocei ao cara bonito sentado ao meu lado, em quem uma das partes da minha saia longa - não a azul turquesa, nem a vinho, mas a azul escura comprada no mesmo bazar - enroscou. Por um momento a minha saia com pequenos defeitos de fabricação me vinculou ao moço e à senhora sentada perto dele, foi um vínculo flexível, elástico, de vai e volta, que se rompeu quando recolhi a saia e me desculpei aos dois com um sorriso. O moço é absorvido pelo celular e só se move para me dar passagem e sorrir como um retorno ao meu sorriso de agradecimento pelo grande espaço cedido a mim e a uma das minhas três saias longas comprada no bazar de roupas com pequenos defeitos de uma fábrica do bairro onde moro, meu sorriso pode valer também como um agradecimento à sua aparência que involuntariamente me agrada de alguma maneira. Desço na estação onde pego o ônibus para casa, olho pela janela e ele olha para onde ele quer, não para mim. Aperto o passo com aquela sensação de quem acredita que apertar o passo significa chegar antes de o ônibus partir do terminal, como se eu soubesse a hora em que ele parte, como se eu pudesse vê-lo, como se ele saísse antes de eu chegar no ponto só por eu estar andando devagar. Tento desviar de alguém que anda a pequenos passos na minha frente. Lembro de não checar o meu celular naquele momento para não andar daquele jeito, mas quem está ali no meio do caminho que me leva até o meu ônibus é a moça que lê o livro do Eduardo Galeano, que não larga o livro nem enquanto caminha - realmente deve ser um livro interessante! Chego no terminal antes do ônibus, pensando no quanto é possível encher-se de coisas boas em uma sexta-feira de folga. Chego em casa, coloco o livro na pilha de "próximos".

terça-feira, 25 de março de 2014

Say what you mean. Mean what you say!

Desde pequena me fascina a ideia do que é uma lista telefônica ou uma lista de endereços, a possibilidade de buscar algo mais de alguém, o caminho ou o código numérico que leva até o lugar onde a pessoa está fixada ou até mesmo à sua voz... mesmo que se faça esse percurso por nada, só para saber. Sou curiosa mas não invasiva, tenho o endereço mas não vou à casa, tenho o telefone mas não converso, mas hoje pode-se brincar mais com essas peças e saber muito mais, revelando-se muito mesmo com essas tais redes ditas sociais. Lá fora há muitos olhares e convites para se perder em outros mundos, todo tipo de mundo e, dependendo do mundo, compensa esquecer o caminho temporariamente. Mas há muito tempo eu ando com um mapa e não tenho mais coragem para me perder... os caminhos mágicos eram tão pequenos perto dos rochedos que às vezes me impediam de mudar de rumo... Eis que um dia tentei um caminho novo com o mapa dobrado e guardado no bolso.
Um cara trabalhava em um evento para o qual fui convidada por um amigo especial que nós, o tal cara e eu, temos em comum; o cara também era convidado, mas como estava lá também trabalhando, então estava em evidência. Devido ao meu passado espinhoso naquele círculo onde nos encontrávamos, decidi conter o meu olhar que começava a se perder nos olhos, cabelos e magreza dele. Seu nome era Ordep Omrac Arierep, mas era conhecido como Ordep Bagarre, contudo chamemos a encrenca aqui somente de O.
Algum tempo depois, desolada pelos desencontros e pelos beijos que partem em aviões, e desorientada pelo vazio e pelo frio das férias de Julho, me joguei nos desencontros da internet que nos levam aos lugares que buscamos e... encontrei O... e ele quis me encontrar, iniciamos  o que se chama "amizade" na rede social. Minha essência ansiosa me determinou (momento de má-fé existencialista) a descobrir o máximo de O. antes que ele abrisse a boca para me dizer "oi", ou encostasse os dedos em um teclado para digitar "oi". Dentre algumas coisas que se encontra em redes sociais, descobri que possivelmente ele tivera, ou que ainda tinha, um relacionamento duradouro e sério com uma moça que não estava na rede. As fotos dos dois, posando de casalzinho, Um ao lado da Outra, estavam curiosamente na página de quem eu compreendera que seria a irmã dela, e não na página dele. Havia também uma cachorra que se confundia com a moça, uma cachorra em uma rede social, uma cachorra plantada em fotos esperando por uma mãe que nunca termina o trabalho, que nunca volta para casa, uma cachorra desempregada que espera por quem lhe afaga os pelos cacheados, uma cachorra que lambe o pai a cada gracinha que ele faz, uma cachorra amada, desejada com quem ele gostaria de passar mais tempo... curiosamente a cachorra tinha o meu apelido. 
A relação com O. por meio de teclados e telas preenche algumas das minhas tardes e um dia - uma manhã, uma tarde e uma noite - enquanto eu sentia que deveria estar mesmo era trabalhando no texto da qualificação da minha dissertação de mestrado... mas eu já começava a sentir o cheiro das amêndoas amargas e a ficar tão  atordoada  a ponto de esquecer que a cachorra era filha de uma mulher ou era a própria cachorra a mulher de O., o verdadeiro cachorro. Não acredito no quanto sou tola para sentir cheiro de amêndoas amargas aos 27 que ainda não eram 28, talvez fosse porque ele se parecia com o melhor beijo da minha vida, não sei se eram os cabelos cacheados e grisalhos, o amor por algumas canções ou a chegada de ambos neste mundo na década de 1970... eram esses tipos que me faziam me perder no cheiro das amêndoas amargas.  Era como se nos conhecêssemos há uma década, fazíamos listinhas de coisas gostosas, no maior estilo daquela peça que tanto me fez chorar... Trilhas sonoras de amor perdidas.
O encontro real se aproxima e em um momento de lucidez, quando estou menos enjoada do cheiro das amêndoas, pergunto sobre a cachorra e recebo como resposta "Estou em um momento de separação". Ora, uma separação tem vários momentos até passar de "separando" a "separado", em qual deles eles estariam? E onde eu estaria nisso? Começava a me lembrar de um encontro que tive com um cara que dormia no sofá da ex porque ele não tinha para onde ir com os seus móveis e porque ela precisava dos móveis dele no apartamento dela... lembro que passei mal em todos os encontros e preocupei o cara excessivamente a ponto de ele me chamar pelo diminutivo do meu apelido e assim fazer com que eu, me sentindo do tamanho de uma ervilha, realmente me cansasse de passar mal e de ser chamada de "-inha". 
As amêndoas são mais fortes e eu dou continuidade no processo do encontro, vestindo a má-fé existencialista de novo, penso que não sei em que momento está a separação e que por falta de informação posso continuar, mesmo agora lembrando do buraco em que fiquei por causa de um relacionamento com o cara que tinha ex-esposa, dois filhos, namorada e um comércio, by the way, amigo de O. que naquele momento eu fingia não conhecer, para não misturar tanto - ou mais - as coisas, you know
O encontro acontece no dia mais frio do ano, talvez para que eu já me acostumasse com o banho de água fria que viria depois. O. é extremamente atraente e ao pensar nisso lembro que o meu grande defeito é esconder de mim mesma alguns defeitos das pessoas que acho muito atraentes, que futilidade prender-me tanto às aparências! O papo é agradável, seu olhar em cima de mim e seu olhar em direção às coisas são interessantes, a companhia é boa. Contudo eu, com todos os meus problemas de bicho do mato, me encontro quase em pânico e mais do que isso, com uns sentimentos indefiníveis, indecifráveis e indizíveis porque o encontro se dava no dia de um dos mais esperados e melhores shows que já vi na vida. Era emoção de sobra que não vou contar aqui pois é mais bonita e mais significante do que isso tudo. 
Ao final dos ruídos e da presença que encheram muitos olhos de sorrisos naquele teatro, O. me ofereceu uma carona até o metrô, me lembrei que talvez eu tivesse lido algo que ele escreveu na rede social sobre não ter carro, mas aceitei. Quando nos aproximamos no carro, notei um adesivo de um símbolo cristão, adesivo de carros de católicos praticantes, e O. não parecia um católico praticante. Entro no carro tremendo de frio e de medo da vontade de beijá-lo e noto um terço no espelho e bichinhos de pelúcia, um em cada canto do carro, um ursinho e uma pequena girafa, além do cheiro fofo que só lembro de ter sentido dentro do carro de um colega gay. Estudo questões ligadas à construção do masculino e do feminino e penso que não há problema algum em homens gostarem de ursinhos e girafas de pelúcia, mas ao mesmo tempo penso que essas construções são tão fortes que é muito difícil encontrar alguém que as tenha rompido, enquanto é muito mais fácil encontrar um homem que se coloca em um relacionamento sério e sai por aí com o carro da parceira conhecendo outras mulheres sem mencionar o contrato do relacionamento sério, fiquei com essa segunda opção. Minha vontade era de perguntar: "De quem é este carro?", mas não fazia sentido cobrar algo de alguém que não havia me prometido nada. Por outro lado, também não faria sentido se ele estivesse fazendo o que pensei, se não tivesse me contado que tinha uma namorada ou uma esposa. Mas era só "e se". "E se", "e se", "e se", what if? Penso em perguntar sobre os bichos de pelúcia, ele entra no carro, olho para o terço e pergunto "você é católico?"! Ele se enrola, fala em "valores de família", diz que sim, diz que não etc e eu já não estou prestando atenção na resposta mas em como ele se enrola nela. Seguimos para o metrô e nos beijamos a cada semáforo vermelho. Droga! Ele beijava igual ao dito "melhor beijo da minha vida"!
Volto pra casa com um sorriso de amêndoas de orelha a orelha, achando mil coisas da vida, pensando em mil coisas sobre O.
No dia seguinte a conversa esfria. Penso que é coisa da minha cabeça, respiro fundo, analiso... mas não, não é... a conversa intensa dispersa, o laço se afrouxa... mas ele correspondeu o beijo, o que EU fiz de errado? Dois dias depois toco no assunto da conversa fria e sugiro um encontro daqui a outros dois dias, ele se ofende sentindo-se "cobrado" e eu me desculpo... eu me desculpo! Passam os dias, ele retoma a conversa fria que esquenta até demais. Ele continua sem tempo para o segundo encontro - diz que é o trabalho, ao meu ver ele não se doa muito ao trabalho - mas me convida para um evento seu. Pergunto novamente sobre o momento da separação e em uma resposta mais enrolada do que a do terço no carro ele sugere que sejamos amigos e me acusa de ser "apressada e ansiosa". Hoje é claro perceber que a conversa fria e essas acusações foram para me afastar de descobrir que ele era casado, hoje é fácil perceber que tudo começou depois que em uma pergunta deixei claro que sabia de quem era o carro. Mas coincidentemente a ansiedade e consequentemente a pressa são os meus pontos fracos, então tocar nesse assunto me destrói.... passo uma noite em claro chorando e me perguntando sobre o que fiz de errado dessa vez. Escrevo pra O. e ele me responde do modo mais tranquilo, amigo e paciente... afinal, o que aconteceria se eu ficasse com raiva dele?
O. coloca  a amizade em prática, uma vez por semana, por um mês e agora sempre me acusa por eu ter que voltar para a minha dissertação e não ter mais tempo para acompanhá-lo em exposições e apresentações de dança (torna-se o meu amigo mais chato!). Seus olhos e suas mãos buscam as batatas das minhas pernas agora, até que eu me acostumo à situação, me sinto confortável, tento beijá-lo e ele... fecha a boca! Ele demonstra desejo e fecha a boca, fecha a porta do armário onde ele esconde algo, uma mulher, uma cachorra, a cachorrada que ele faz com a mulher e eu, a cachorrada que ele disfarça posando com a cachorra no colo e os bichinhos de pelúcia no carro. Pra mim chega! Começo a me afastar nesse dia, com a sensação de ter vivido o relacionamento mais absurdo e mais idiota em menos de dois meses... ele ainda manda mensagens, algumas de voz bem bregas e engraçadas. Stalker que sou, não sossego e procuro por mais pistas, surge uma foto da tal moça com a cabeça da cachorra ao lado de O. em uma festa de Ano Novo, e mando feliz ano novo para ele, para a cachorra e para a moça (a chamo pelo nome que ele nunca me contou) e ele me manda um sorriso. Também analiso melhor a cachorra esperando pela moça no restaurante, vejo o nome do restaurante na foto, pesquiso e descubro que o local fica no mesmo bairro em que O. mora. Os movimentos virtuais da suposta irmã da moça-mãe da cachorra-esposa de O.-trabalhadora do restaurante... os movimentos da irmã de todas elas indicam que estou na pista certa. Retorno ao falido blog de O., ao último post, que é sobre alguém a quem ele dá qualquer nome, alguém com quem ele tem problemas de dinheiro, alguém que reclama de dinheiro, que veste a sua camiseta, alguma, algum feminino com quem ele vive e o atormenta. A cachorra reclama que ela trabalha demais, O. reclama no blog (e reclamara comigo) sobre a necessidade que as pessoas tem por aí de dinheiro, seu plano é viver com pouco... mas o que percebo é que ele vive com pouco dele e muito dos outros, sua vida custa caro. 
Encontro o telefone do restaurante, ligo e peço para falar com alguém que tem o nome nas legendas das fotos nas redes sociais mas que não sei se existe porque ela não existe nas redes sociais:
Alô. Gostaria de falar com a...
Ela vem ao telefone, fala comigo e eu inicio: 
Oi, sou amiga do seu marido, ele me recomendou o restaurante em que você trabalha. Tudo bem? Você é a, ... , esposa do Ordep, não?
Ela confirma e eu desligo, só posso ficar feliz por ainda ter um bom faro que perpassa o odor das amêndoas amargas.


Começou em Julho de 2013. Há algo no relato acima que nunca aconteceu.